Acusação de formação de quadrilha de alunos da USP é exagerada, dizem especialistas
Especialistas caracterizaram como “exagerada” a denúncia do Ministério Público de São Paulo contra os 72 detidos após ocuparem a reitoria da USP (Universidade de São Paulo) em novembro de 2011. Segundo a promotora Eliana Passarelli, que assina o pedido, os denunciados cometeram os crimes de formação de quadrilha, posse de artefatos explosivos, danos ao patrimônio público, pichação e desobediência judicial.
A denúncia foi encaminhada para o Fórum da Barra Funda, onde um juiz decidirá nos próximos dias se aceitará ou não o pedido da promotoria. Se forem condenados às penas máximas, os acusados podem ser punidos com até 8 anos de prisão.
O primeiro ponto questionado por especialistas consultados pelo UOL Educação é o enquadramento dos detidos no crime de formação de quadrilha, caracterizado quando “se associam mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”.
“Causa espanto chamar um grupo como esse de quadrilha, porque quadrilha precisa ter estabilidade, não é a reunião de pessoas para o cometimento de um crime específico. Para ser quadrilha, eu acredito que eles teriam que ter o hábito de se reunir para depredar várias reitorias. Nesse caso, me parece ser concurso de pessoas”, afirma o professor de direito penal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Carlos Eduardo Japiassu.
"Aventura acusatória"
Na denúncia, Passarelli afirma que os alunos se reuniram “de modo estável e permanente, com a intenção de perpetrarem inúmeros crimes e rumaram em direção ao prédio da reitoria”.
Em entrevista ao UOL, a promotora afirmou que o grupo ficou “vários dias praticando crimes” dentro do prédio invadido. “Eles tinham vários explosivos e poderiam detonar a qualquer momento. Se isso não é quadrilha, não sei mais o que é”, disse.
Na opinião da professora de direito e processo penal da UnB (Universidade de Brasília) Beatriz Vargas "é uma aventura acusatória dizer que 72 estudantes se reuniram de maneira estável".
No texto, a promotora não individualizou a suposta conduta criminosa de cada um dos denunciados. No seu entendimento, a autoria foi coletiva em todos os crimes. “Os denunciados quedaram-se inertes e concordaram entre si com os fatos, sem sequer cogitarem a possibilidade de intervenção para fazer cessar os aludidos atos”, afirma na denúncia.
"Não é crível que todos os 72 deveriam ser responsabilizados pelos danos. As ações individuais não podem ser estendidas ao conjunto", disse Beatriz Vargas após ler a denúncia do MP-SP.
De acordo com a professora da UnB, o uso do delito de formação de quadrilha tem sido uma prática do MP para denúncias com mais de três pessoas.
"O MP tem usado o que chamamos de "kit denúncia". Toda vez que ele denuncia um crime de um grupo de pessoas, ele atribui esse delito de formação de quadrilha, que aumenta a pena."
Erros técnicos
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Martim de Almeida Sampaio, a não individualização das condutas é um erro técnico do Ministério Público. “Ela [a denúncia] é tecnicamente inepta, o que vai levar a absolvição dos envolvidos”, diz.
A denúncia aponta ainda os delitos de formação de quadrilha e de concurso de pessoas em ato criminoso. "Atribuir os dois à mesma condição é exagero de imputação. Se é pelo mesmo fato, e já está atribuindo formação de quadrilha, não poderia invocar o concurso de pessoas", considera Beatriz Vargas.
Criminalização de estudantes
Sampaio ainda afirma que a criminalização do ato é um “absurdo”. “O que deveria ser feitos nesses casos é a adoção pela universidade de medidas administrativas, e não punir criminalmente a participação política dos estudantes. A última vez que eu lembro ter visto uma punição em massa de estudantes foi na Ditadura Militar”.
Em nota, o DCE criticou a denúncia do Ministério Público. “A gente encara que a ocupação da reitoria como um ato político, constitucional, uma manifestação coletiva que não pode ser encarada como crime”, disse Tales Carpi, diretor do diretório.
Dos 72 detidos durante a reintegração de posse, 51 sofreram processo administrativo dentro da universidade. Em dezembro de 2012, os processos foram encerrados com pena máxima de suspensão de 15 dias. A universidade não informou o número de absolvidos e de punidos.
Como foi a ocupação
A ocupação da reitoria da USP durou seis dias. Os estudantes se manifestavam contra a presença da Polícia Militar na Cidade Universitária e contra processos administrativos envolvendo funcionários da USP.
O prédio da reitoria foi ocupado após um longo questionamento dos estudantes sobre a presença da polícia no campus, que foi reavivado após a detenção de três estudantes com maconha no estacionamento da faculdade de História e Geografia no dia 27 de outubro.
A reintegração de posse foi executada pela Polícia Militar no dia 8 de novembro.
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