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Nos EUA, pais seguem luta para que criança transgênero seja tratada como menina

Coy Mathis, 6, nasceu menino mas se identifica como menina; EUA enfrentam casos semelhantes - Matthew Staver/The New York Times
Coy Mathis, 6, nasceu menino mas se identifica como menina; EUA enfrentam casos semelhantes Imagem: Matthew Staver/The New York Times

Dan Frosch

Do New York Times, em Fountain, Colorado (EUA)

19/03/2013 06h00Atualizada em 30/04/2015 13h39

O corte curto militar deu lugar ao cabelo comprido. Calças jeans deram lugar a vestidos cor de rosa. E as grandes bochechas da criança ficavam molhadas de lágrimas quando alguém se referia a Coy como menino.

Na metade do jardim de infância, após consultarem médicos, os pais de Coy informaram à escola que Coy se identificava como menina e devia ser tratada como uma –seja no uso de pronomes femininos para descrevê-la ou permitindo que Coy usasse seus vestidos favoritos.

"Ficou claro que não se tratava apenas de gostar de cor de rosa ou de coisas femininas", disse Kathryn Mathis, a mãe de Coy, lembrando de como Coy tinha ataques de ansiedade quando as pessoas o tratavam como menino. "Era como se ela se esforçasse para nos mostrar que era uma menina."

Mas em dezembro, poucos meses após Coy, 6 anos, ter iniciado a primeira série, a família Mathis a retirou furiosamente da escola, após ser informada de que ela não mais poderia usar o banheiro das meninas, mas que poderia usar o toalete neutro.

Uma carta de uma advogada da Fountain-Fort Carson School District explicou que "a medida que Coy se tornar mais velho, se sua genitália masculina se desenvolver juntamente com o restante do seu corpo, alguns pais e alunas provavelmente ficarão incomodados por ele continuar usando o toalete feminino".

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Agora, o caso de Coy está no centro de uma disputa legal que provavelmente testará a lei antidiscriminação do Colorado, que expandiu as proteções para as pessoas transgênero em 2008.

Casos se espalham pelos EUA

O caso do Coy Mathis está se desdobrando nesta pequena cidade ao sul de Colorado Springs, enquanto outros Estados por todo o país estão buscando esclarecer suas políticas em relação a estudantes transgênero.

É uma questão que está se tornando mais comum nos últimos anos, à medida que grupos de defesa buscam assegurar que os distritos escolares fiquem mais atentos às necessidades das crianças transgênero.

Segundo o Fundo de Educação e Defesa Legal dos Transgênero, que deu entrada ao processo junto à divisão de direitos civis do Colorado em nome da família Mathis, 16 Estados e o Distrito de Colúmbia oferecem alguma forma de proteção legal às pessoas transgênero.

Em muitos casos, essas proteções se estendem às escolas, onde os rituais mais mundanos, como ir ao toalete ou usar o vestiário, podem ser especialmente traumáticos para os estudantes transgênero.

Atualmente, mesmo em Estados onde não existem proteções, os distritos escolares se tornaram mais inclinados a buscarem uma solução quando surge uma disputa, disse Michael D. Silverman, o diretor executivo do grupo.

Silverman citou um recente caso no Kansas do qual seu grupo cuidou, no qual um estudante biologicamente masculino de 10 anos queria ser conhecido por um nome feminino e se vestir como uma menina. A escola, ele disse, no final concordou.

"Na maioria dos casos, quando você está lidando com crianças dessa idade, ninguém faz muito alarido sobre esse tipo de coisa", disse Silverman. "As escolas estão muito mais dispostas a trabalhar com as famílias para assegurar que seus filhos sejam integrados com sucesso."

Todavia, os conflitos em torno de identidade de gênero são, compreensivelmente, um território sensível para os diretores, estudantes transgênero e suas famílias.

  • Matthew Staver/The New York Times

    Crianças transgênero, como Coy, que foi proibida de frequentar o banheiro das meninas, sofrem mais com bullying

No mês passado em Batesville, Mississippi, um grupo de colegiais protestou após um estudante transgênero ter sido autorizado a se vestir como mulher. Os estudantes sentiam que o aluno estava recebendo tratamento preferencial dado o código de vestuário específico do distrito escolar, segundo a imprensa local.

O Departamento de Ensino Básico e Médio de Massachusetts emitiu recentemente diretrizes a respeito do tratamento a estudantes transgênero, dois anos após o Legislativo ter aprovado uma lei proibindo a discriminação com base em identidade de gênero.

As diretrizes explicam a nova lei e apresentam cenários que as escolas podem encontrar.

"Nossa maior preocupação é assegurar que toda criança tenha um ambiente de aprendizado seguro e que lhe dê apoio", disse Jonathan Considine, um porta-voz do departamento.

As diretrizes apontam que decidir qual é a melhor forma de lidar com o acesso ao toalete para estudantes transgênero pode ser especialmente difícil. O departamento recomendou que seja autorizado o uso dos banheiros conforme o gênero com o qual eles se identifiquem, mas também sugere que as escolas criem banheiros neutros.

"Eu fiquei surpresa nos últimos três anos com a explosão de preocupação e interesse por parte dos profissionais de educação com as questões de transgênero", disse Eliza Byard, diretora executiva da Rede de Educação de Gays, Lésbicas e Héteros.

Mais vulneráveis ao bullying

Mesmo assim, os defensores dos gays e transgênero dizem que os estudantes transgênero, apesar de tipicamente uma minoria, são particularmente vulneráveis a bullying e molestamento.

Em um estudo de 2012, feito pela organização de Byard, muitos alunos de escolas do ensino básico relataram ter ouvido comentários de outros alunos sobre como meninos e meninas devem agir e parecer.

Aproximadamente um terço dos professores entrevistados disse que os alunos do ensino básico que não se enquadram nas normas de gênero se sentem desconfortáveis em suas escolas.

O caso Mathis tem atraído atenção, disseram defensores, porque Coy é uma criança muito jovem e o distrito escolar do Colorado entrou em choque com os pais dela em torno do que era melhor.

Nesse caso, a divisão de direitos civis do Estado está analisando se o distrito violou a lei do Colorado ao proibir Coy de usar o toalete feminino.

Uma advogada do distrito, Kelly Dude, se recusou a comentar. Em declarações públicas recentes, o distrito escolar criticou os Mathis por divulgarem amplamente a situação de Coy enquanto ela estava sendo analisada e disse que agiu de modo "razoável e justo" na questão.

Em uma carta para Silvermann, Dude escreveu que Coy foi autorizada a usar roupas de meninas na escola e era tratada como menina, como o casal Mathis pediu. Apesar de Coy não mais usar o toalete feminino em sua escola primária, Dude disse que ela ainda tem acesso aos toaletes dos funcionários e ao toalete neutro da "sala de saúde" da escola.

Silverman respondeu que o distrito escolar estava "punindo a menina pelo que pode ou não vir a acontecer mais à frente".

Na casa da família Mathis, os pais de Coy disseram ainda não saber o que levou o distrito escolar a mudar de ideia, especialmente depois do apoio inicial que os diretores da escola pareciam dar.

"Não fazia sentido para mim", disse Jeremy Mathis, um militar veterano e pai de Coy, notando que este tinha muitos amigos e se tornou claramente mais feliz desde que passou a ser identificado como menina.

"Esta é uma escola primária e estão destacando uma criança e dizendo que ela precisa usar um banheiro especial?"

Enquanto isso, Coy, sua irmã e seu irmão –eles são trigêmeos– estão recebendo ensino em casa. Apesar de chateados, os Mathis disseram que eles não voltarão à escola até que Coy seja autorizada a usar o toalete feminino de novo.

No quintal, Coy brincava alegremente com sua bicicleta, sujando de terra seu rosto e suas botas cor de rosa. Ela disse que preferia estar na escola com seus amigos, mas sabe que não voltará.

"Eles estão sendo malvados comigo", ela disse. "E estão dizendo que sou menino, quando sou realmente uma menina."


*Tradução: George El Khouri Andolfato