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O movimento estudantil não acordou em junho, dizem pesquisadores

20.jun.2013 - Milhares de pessoas seguem em protesto no centro do Recife (PE) - Yasuyoshi Chiba/AFP
20.jun.2013 - Milhares de pessoas seguem em protesto no centro do Recife (PE) Imagem: Yasuyoshi Chiba/AFP

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

20/12/2013 10h00Atualizada em 20/12/2013 12h36

Mesmo tendo registrado participação significativa de estudantes durante a onda de protestos iniciadas em junho deste ano, é difícil falar em renascimento do movimento estudantil brasileiro. O "gigante", ao menos na sua faceta estudantil, não acordou segundo especialistas ouvidos pelo UOL. A frase "o gigante acordou" foi bastante utilizada na época em referência ao despertar da consciência crítica dos brasileiros.

Para o mestre em história pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Célio Ricardo Tasinafo, não houve um despertar de consciência crítica porque as reivindicações ficaram lá no período das maiores manifestações e não tiveram continuidade ou outros desdobramentos concretos.

“Não estou desmerecendo a revogação do aumento da passagem [uma das pautas levantadas pelos manifestantes], mas depois de junho tivemos casos muito mais graves na política e não vimos grandes mobilizações”, exemplifica Tasinafo se referindo ao julgamento  do mensalão e à prisão do parlamentar Natan Donadon.

O gigante acordou, mas as propostas depois de junho se tornaram tão amplas que acabaram se perdendo. Melhoria geral no ensino, ser contra corrupção, exigir hospitais no padrão Fifa são demandas vagas", acrescenta Tasinafo. "A gente precisa ter projetos concretos de financiamento do ensino superior além do Fies, projetos que abordem a qualidade do ensino superior, que reforce que só o aumento de vagas e a garantia de bolsas não são suficientes.”

Para o o  professor Renato Cancian, doutor em ciências sociais pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), as manifestações que tomaram o país entre junho e agosto não podem sequer ser consideradas "estudantis". "Embora os protestos de junho tenham sido protagonizados por jovens, essa categoria social saiu às ruas em sua condição de cidadãos, conscientes de seus direitos de cidadania”, argumenta.

Representações estudantis

  • Luciano Freire/Futura Press

    Estudantes protestaram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), em junho de 2013

“O movimento estudantil é um movimento social protagonizado por jovens, na condição de estudantes, que se organizam a partir das organizações estudantis representativas, como DCEs (Diretórios Centrais Estudantis), UEEs (União Estadual dos Estudantes), UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outros”, define o professor Renato Cancian.

No Brasil, a UNE (União Nacional dos Estudantes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e ANEL (Assembleia Nacional de Estudantes – Livre) são três das entidades mais conhecidas.

Um dos períodos mais simbólicos para os movimentos estudantis foi o de combate ao regime militar, segundo o historiador Tasinafo. 

“O ano de 1968 foi bem representativo. No período, a UNE ganhou bastante destaque, mesmo enquanto agia na clandestinidade. Foi a mobilização popular mais simbólica e persistente que contou com grande ajuda dos estudantes. O problema foi que após o período a UNE foi perdendo força. Pra muitos, a UNE é lembrada hoje apenas como ‘aquela’ da carteirinha dos estudantes”, lembra.

UNE, UBES e ANEL

  • A UNE (União Nacional dos Estudantes) surgiu no dia 11 de agosto de 1937 na Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, e passou a reunir e representar entidades ligadas a movimentos estudantis brasileiros. Atualmente, ela defende a ampliação para 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação.
  • A UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) foi oficializada em julho de 1948, no 1° Congresso Nacional dos Estudantes Secundários, realizado no Rio de Janeiro. Uma de suas principais bandeiras é a reforma do ensino médio brasileiro.
  • A ANEL (Assembleia Nacional de Estudantes – Livre) foi fundada em 2009 em oposição a UNE, durante um Congresso Nacional de Estudantes, realizado no Rio de Janeiro. A entidade se diz independente política, ou seja, não aceita apoio de governos; e independente financeira, onde não aceita verbas de governos e nem de empresários.

 

Distanciamento de entidades estudantis

Na opinião do pesquisador Marcos Ribeiro Mesquita, o comportamento na participação em movimentos da juventude tem mudado com os anos.

De acordo com seu artigo “Movimento estudantil brasileiro: Práticas militantes na ótica dos Novos Movimentos Sociais”, a mudança aconteceu porque a classe de estudantes se tornou mais plural e não se limitou às organizações estudantis. Além disso, a constituição de novos coletivos trouxe novidades em termos de organização, estimulando uma participação mais “democrática, autônoma e horizontalizada".

Célio Tasinafo acrescenta que no caso da UNE o afastamento de boa parte dos estudantes se deu pela aproximação da entidade com partidos políticos após a redemocratização do Brasil.

“Muitas das chapas que disputam sua presidência são compostas por integrantes de partidos. Outra coisa é que os jovens acabam reconhecendo ex-participantes da UNE que se tornaram políticos envolvidos com propinas e corrupção.”

Grau de participação dos jovens e o que eles valorizam no Brasil
 

  • 45%

    A participação em mobilizações de rua e outras ações diretas foram mencionadas como as melhores formas de atuação que podem melhorar o Brasil

  • 44%

    Mencionaram que a atuação em associações ou coletivos que se organizam em prol de uma causa pode contribuir com o país

Um levantamento, sobre o perfil e opinião dos jovens brasileiros neste ano, finalizado um mês antes da onda de protestos ter início, já dava indícios do interesse da categoria em manifestações de ruas.

De acordo com a soma das opções mencionadas pelos entrevistados, com idade entre 15 e 29 anos, a participação em mobilizações de rua e outras ações diretas são as melhores formas de atuação que podem melhorar o Brasil (45%).

O estudo indica também que 44% dos participantes mencionaram que a atuação em associações ou coletivos que se organizam em prol de uma causa pode contribuir com o país. 

Em relação às coisas que os jovens mais valorizam no Brasil, a 'possibilidade de estudo' foi a mais citada, com 63% da soma das menções. A 'liberdade de expressão' (55%) e 'estabilidade econômica' (46%) apareceram na segunda e terceira colocação, respectivamente. 

Como desafios que o país precisa enfrentar, os jovens participantes citaram a melhorias na saúde da população (99%), na educação (98%) e redução do desemprego (95%).

Estudantes lutaram por democracia e educação

  • Clique e confira importantes mobilizações com participação do movimento estudantil