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Pronatec é um caça-níquel para redes privadas, afirma especialista

Marcelle Souza

Do UOL, em São Paulo

30/06/2014 06h00Atualizada em 30/06/2014 11h04

Oferecer cursos técnicos rápidos a pessoas que não completaram a educação básica não resolve o problema de falta de mão de obra capacitada no país. Isso é o que defende o professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Gaudencio Frigotto, que estuda ensino técnico e ensino médio na instituição. Para ele, o programa reproduz modelos antigos e favorece as redes privadas de ensino superior no país.

“São dois problemas: o Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego] reedita programas do passado e virou um caça-níquel para universidades privadas que não têm nenhuma tradição em cursos técnicos, mas que percebem uma forma de ganhar dinheiro”, afirma.

O professor se refere ao Pipmo (Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra), concebido pelo governo de João Goulart em 1963 e executado durante a ditadura militar até 1982, e o Planfor (Plano Nacional de Formação Profissional), que ocorreu durante os governos do presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002. Os dois, segundo ele, ofereciam cursos rápidos, que pouco contribuíram para formação de mão de obra realmente qualificada.

O Sistema S e as redes públicas entraram no Pronatec em 2011, quando o programa começou. Já as redes privadas abriram cursos em parceria com o governo federal a partir do ano passado.

Dos R$ 14 bilhões de investidos entre 2011 e 2014, R$ 5,1 bilhões foram para a rede federal. O MEC não informou quanto foi destinado para as demais redes que fazem parte do programa, como o Sistema S e a instituições particulares.

O especialista defende que o governo precisa, em primeiro lugar investir em educação básica e promover os programas que juntam o ensino médio e a formação técnica. “Uma pessoa que não teve ensino médio, que não teve ensino fundamental, não vai conseguir se inserir no mercado com um curso de 160 horas. Em qualquer área, você não aprende se não tem base, se não tem os fundamentos”, diz.

“Continuamos mudando os nomes das coisas, enquanto milhares de jovens de jovens e adultos não têm escolaridade. Gastamos dinheiro e não resolvemos o problema. Estamos inserindo onde e de que forma essas pessoas [no mercado de trabalho]? ”.

Capacitação integrada

A proposta do especialista é adotar de forma sistemática o ensino médio integrado, “com formação básica e capacitação técnico-cientifica, que dê ao jovem uma base para se profissionalizar e articular ciência, trabalho e cultura”.

Para isso, é preciso investir mais e melhor na educação técnica, especialmente nos institutos federais, diz Frigotto. “O que define a qualidade do curso técnico é o tempo do professor e uma infraestrutura de qualidade. É preciso ter um sistema que dá uma base ao aluno para que ele consiga transferir conhecimento para várias áreas técnicas”.

“Uma educação básica de qualidade é um passaporte para uma dupla cidadania: participar da sociedade como um cidadão ativo, discutindo os seus direitos, e a base para se inserir em um sistema produtivo cada vez mais complexo. Por isso, a Constituição diz que a educação básica é direito de todos”, afirma.

“Como dizia Anísio Teixeira, vivemos em uma sociedade de valores proclamados, mas não de ações reais. A prova disso é que demoramos quatro anos para aprovar um Plano Nacional de Educação”, completa o professor da Uerj.