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Especialistas comprovam que pessoas mais educadas discriminam menos

Alfredo Dillon

Do Clarín, Em Buenos Aires (Argentina)

14/07/2014 09h17

A educação nos torna mais tolerantes e diminui a discriminação. A conclusão surge de um relatório recente da Unesco, cujas conclusões mostram que na Argentina e na América Latina, as pessoas com o colegial completo têm menos probabilidade de expressar intolerância em relação a homossexuais, pessoas com HIV ou imigrantes, do que quem só terminou o primário.

Um exemplo: na América Latina, a probabilidade de que pessoas com educação de ensino médio discriminem pessoas de outra raça é 47% menor que a daquelas que só completaram o nível primário. Para o caso argentino, a Unesco concluiu que a possibilidade de que pessoas com ensino médio completo discriminem homossexuais é 21% menor do que entre aqueles que têm só o primário completo.

Paradoxalmente, na Argentina a escola é um dos espaços onde mais se discrimina, só superado pelo lugar de trabalho. Em 2013, de acordo com os dados do Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo da Argentina (INADI), 11,5% das denúncias por discriminação se originaram em âmbitos educativos. Mas isso é apenas um reflexo do que acontece fora das salas de aulas: em uma pesquisa de abrangência nacional, o INADI verificou que 85% dos argentinos acreditam que na Argentina “se discrimina muito ou bastante”. O número é ainda mais alto entre os jovens: 90% consideram que a discriminação é um problema importante na Argentina.

A intolerância nas salas de aula pode se expressar em forma de bullying (assédio entre colegas), mas também como maltrato entre professores e alunos, ou de um professor a outro. Segundo os dados do INADI, os tipos de discriminação mais comuns no ambiente educativo são os relacionados à situação socioeconômica, ao aspecto físico e à cor da pele. Na Grande Buenos Aires, a nacionalidade também é um fator de peso.

Quando devem explicar as causas da discriminação 65% dos argentinos respondem que é um problema de “falta de educação”. Diante deste panorama, a pesquisa da Unesco marca que a escola tem um grande potencial para transformar esses estigmas que circulam na sociedade e ensinar os alunos a valorizar a diferença.

Os especialistas advertem que é fundamental começar esse trabalho no jardim da infância. Ali, o olhar do docente tem uma influência crucial: “É fundamental que as professoras prestem atenção nas brincadeiras das crianças e a redirecionem em casos de discriminação, exclusão ou maltrato. Deverão prestar atenção nos papeis que as crianças assumem e oferecer oportunidades de conhecer o outro, de ser empático, de escutar histórias, modelos familiares, origens e crenças diferentes”, afirma a psicopedagoga María Zysman, diretora de Livres de Bullying.

Na escola se aprende muito mais do que Matemática e Língua: as salas de aula também ensinam valores e atitudes que podem transformar as relações sociais. “A educação para a paz, a convivência democrática e os direitos humanos, contribuem para que as pessoas percebam a ampla diversidade do mundo e que, ao invés de se sentirem ameaçados por ela, abram suas mentes e espíritos para valorizar a contribuição que significa conhecer e conviver com diversas visões de mundo”, explicou Victoria Valenzuela, da Unesco, ao Clarín.

Se a premissa da discriminação é o medo do diferente, o conhecimento é a ferramenta mais contundente para desmontar esse temor, muitas vezes baseado na ignorância. A escola parece ser o melhor lugar para contrapor os preconceitos que as crianças podem trazer de suas casas. “É fundamental incorporar esses assuntos desde a primeira infância e trabalhar com as famílias, já que muitas vezes são os adultos do ambiente familiar de cada criança que vão inculcando o ódio e a estigmatização em relação àqueles que são percebidos como diferentes”, afirmou Valenzuela.

Os especialistas concordam que essa tarefa é central e deve fazer parte de todo o trabalho escolar. “A discriminação não se previne com aulas especiais referidas ao assunto, mas com um trabalho diário coordenado entre professores, autoridades e famílias”, diz Zysman.

“Ao fomentar a tolerância, a educação gera valores, atitudes e normas que melhoram a confiança interpessoal e o compromisso cívico, que são os pilares da democracia”, diz o relatório. O estudo afirma que cada ano de escolarização aumenta a probabilidade de os alunos confiarem nas pessoas. Uma sociedade mais educada terá melhores níveis de convivência e, assim, poderá construir uma democracia mais forte.

(Texto originalmente publicado no site do Clarín em português)