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'A escola salvou minha vida', diz aluno transgênero sobre fim do bullying

Joshua (esquerda) e Spencer estudam na Escola de Jovens Escritores, em Nova York - Benjamin Norman/The New York Times
Joshua (esquerda) e Spencer estudam na Escola de Jovens Escritores, em Nova York Imagem: Benjamin Norman/The New York Times

Nicholas Kristof

12/06/2015 06h00

Pessoas do mundo inteiro vêm acompanhando a ascensão de Caitlyn Jenner, mas poucas com tanto entusiasmo quanto Spencer e Joshua, dois estudantes em um colégio de Nova York que a consideram um modelo inspirador.

Spencer, 16, nasceu menina e recebeu um nome feminino, mas diz que nunca se sentiu à vontade. No primeiro dia no jardim de infância, sua mãe o vestiu de saia --o uniforme da escola-- e ele chorou. "Isto é para meninas", lembra-se que protestou em lágrimas. "Mas você é uma menina", respondeu sua mãe, atônita. Mas ele resistiu com tal veemência que pelo resto do ano pôde usar calças em vez do uniforme das garotas.

"Eu sabia que me sentia diferente desde os 4 anos, mas não tinha uma palavra para explicar", lembra-se ele. "Na minha cabeça, pensava: 'Por que não posso ser um menino, mesmo que não tenha partes de menino?' Aquilo me confundia."

No terceiro ano, ele anunciou que era lésbica, mas disse que também não se sentia à vontade. Finalmente, aos 12, depois de pesquisar no Google, descobriu a palavra certa: "transgênero". 

Isso não tornou sua vida mais fácil. Spencer diz que foi alvo de provocações e zombarias na escola, e aos 13 anos tentou se enforcar. Mas não conseguiu dar o nó direito ou alcançar o ventilador de teto, e finalmente chorou de frustração até dormir.

Caitlyn Jenner lançou um diálogo nacional importante, mas este deve ir além do que ela usou na capa de "Vanity Fair". Com frequência, nós, como sociedade, nos distraímos em discussões sobre transgênero por questões de cirurgia ou de que banheiro a pessoa deve usar. Na verdade, como sugere a história de Spencer, o principal desafio é simplesmente a aceitação.

Visitei Spencer em seu colégio, a Academia para Jovens Escritores, em uma área feia do Brooklyn. Ela ofereceu esse lar compreensivo e dá algumas lições a outras instituições de todo o país.

São assuntos complexos. Quando uma criança nascida menino passa a se identificar como menina, pode ser humilhante ou perigoso para ela usar o banheiro masculino; também pode ser perturbador para outras meninas se uma colega com anatomia masculina usar seu banheiro. Essa criança deve jogar no time dos meninos ou no outro?

Mas essas são questões que teremos de enfrentar. Uma estimativa grosseira sugere que talvez 0,33% das pessoas se identificam como transgênero. Isso quer dizer que, em uma escola de mil alunos, alguns podem ser transgêneros.

Conforme o tema se torna menos tabu, os exemplos ficam mais visíveis. Miley Cyrus teria dito, segundo a imprensa, que considera sua sexualidade e identificação de gênero como fluida. "Não me identifico como menino ou menina", disse ela.

A diretora da Escola para Jovens Escritores, Courtney Winkfield (esquerda), e a professora Michelle Eisenberg tentam fazer do colégio um espaço seguro para alunos transgêneros  - Benjamin Norman/The New York Times - Benjamin Norman/The New York Times
A diretora da Escola para Jovens Escritores, Courtney Winkfield (esquerda), e a professora Michelle Eisenberg tentam fazer do colégio um espaço seguro para alunos transgêneros
Imagem: Benjamin Norman/The New York Times

A Academia para Jovens Escritores tornou-se um modelo por acaso. Em 2011, uma das garotas mais inteligentes da escola, Tiara, aparentemente destinada a entrar em uma grande universidade, de repente parecia disposta a abandonar o curso. Acontece que a estudante agora se identificava como menino, chamando-se de Seth, e a escola não tinha percebido. Seth quase não se formou e afinal não foi para a faculdade.

A diretora, Courtney Winkfield, resolveu que isso não aconteceria de novo. Trouxe uma professora para orientar os alunos sobre esses problemas e ajudar os estudantes a armar uma política anti-bullying.

Enquanto isso, Spencer apareceu e pediu para usar o banheiro dos meninos e ser chamado de "ele". A escola atendeu a seu pedido.

Alguns pais, professores e alunos se aborreceram, mas a comoção parece ter acabado. Spencer diz que seus pensamentos de suicídio continuam, mas hoje são mais administráveis. "A escola salvou minha vida", diz.

Um colega dele, Joshua, 15, ainda não resolveu o gênero. Ele usa o pronome masculino e muitas vezes roupas de menino, mas quando o visitei, ele estava de batom, peruca e vestido. (Para uma foto, voltou a usar roupas masculinas.) "Tenho ideias de ser mulher, mas não todo dia", disse Joshua. "Não quero adotar um rótulo ainda."

Joshua, que diz "você pode me chamar dos dois gêneros", conta uma história parecida com a de Spencer: o bullying começou no jardim de infância, e os pensamentos de suicídio, na quinta série.

Hoje ambos estão no quadro de honra da escola. E com as férias de verão se aproximando, eles temem perder a escola como um local seguro.

"É muito, muito assustador o verão", disse Joshua. "Não quero ficar sozinho."

Perguntei a Winkfield o que ela diria aos diretores temerosos das questões de gênero delicadas. O colégio não deve só preparar os alunos para a faculdade, disse ela, mas também prepará-los para o mundo.

"É fácil fazer disso uma questão menor sobre banheiros ou sexualidade", disse ela. "Na verdade, trata-se de preparar os jovens para o mundo incrivelmente complexo e confuso em que vivemos."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves