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Educador explica como uma piada pode ser homofobia

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Imagem: IStock

Hugo Araújo

Do UOL, em São Paulo

14/01/2016 06h00

Quatro a cada dez homens gays relatam que já foram agredidos fisicamente enquanto estavam na escola, segundo dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) de 2009. A escola ainda é um ambiente hostil aos adolescentes homossexuais, afirma Lula Ramires, graduado em filosofia e mestre em educação pela USP (Universidade de São Paulo) com a dissertação "Habitus de gênero e experiência escolar: jovens gays no ensino médio em São Paulo". 

Segundo o educador, para mudar essa realidade, é necessário trazer o tema para a sala de aula, como qualquer outro, e debatê-lo de forma tranquila. Além disso, investir na formação dos professores, para que eles entendam a questão da diversidade e combatam o preconceito na escola.

UOL Educação – O que é homofobia?

Lula Ramires – Para entender a homofobia, é necessário entender a heteronormatividade. A gente vive numa sociedade em que a norma, o que é aceito, é o relacionamento entre pessoas de sexos diferentes. Toda vez que alguém ameaça sair dessa norma, sofre algum tipo de advertência ou punição. Por exemplo, se um homem, independente da orientação sexual, resolve usar uma camisa cor-de-rosa, ele vai sofrer uma advertência, um breque. A homofobia começa aí. É como uma luz vermelha que acende quando alguém descumpre essa heteronormatividade. Por um lado, ela tem uma sutileza: é o comentário, a chacota, a piadinha. Isso vai ficando cada vez mais agressivo. Por achar que alguém é homossexual na escola, podem tirar o lanche, tirar os pertences, tirar do grupo de amigos, isolar. Muitas vezes o professor não intervém. No máximo faz uma advertência. E fica nisso. A homofobia vai ficando mais séria e pode chegar a atos de violência, tanto psicológica quanto física, e até ao assassinato.

UOL – O que é o modelo heteronormativo de escola?

Ramires – A escola reitera a heteronormatividade. Todos os modelos que ela utiliza, desde os contos de fada até a literatura clássica, são sempre histórias de um homem e uma mulher que se conheceram e se apaixonaram. Você nunca encontra algo que está fora do modelo tradicional de família: branco, de classe média, cristão, escolarizado, heterossexual e chefiado por homens. A escola não trabalha a diversidade, a ideia de que existem outros modelos. Não que o papel da escola seja negar esse modelo [tradicional] de família, o problema é apresentá-lo como o único legítimo, o único possível.

O aluno sempre que vê um modelo de família que escapa daquele apresentado pela escola acredita que é anormal, que falta algo, que não é o ideal. Ele pensa: “se existe, paciência, mas não deveria ser assim”. E é o papel da escola provar que outras famílias são possíveis e isso é válido e legítimo.

UOL – Como os educadores devem trabalhar a homossexualidade na escola?

Ramires – Em primeiro lugar, eu acho que não tem uma receita de bolo. A primeira atitude que um professor pode tomar é desenvolver uma sensibilidade para lidar com a diferença. Isso não fica restrito à sexualidade, está na deficiência física, nas questões de classe social e étnico-racial. Ele deve se informar, existe hoje muita literatura sobre o tema.

Depois tentar dialogar com os alunos de uma forma muito tranquila. Não é algo que deve ser uma cobrança. Por exemplo, se você não souber como responder algo a respeito de sexualidade, você não deve ser reprovado.

Existem filmes, livros de contos ou romances que podem ser trabalhados; entidades que trabalham com isso e podem ser convidadas a falar. Você pode organizar um festival. São atividades que podem ser lúdicas, que a escola pode fazer para trabalhar este tema. Um mundo em que a gente respeite o outro como ele é, é um mundo melhor para todos. Uma escola que respeite um aluno negro, gay, lésbica, travesti, ela não é uma escola boa para eles, é uma escola boa para todo mundo. A escola hoje não leva em consideração essas questões. Muitas vezes, ela se torna um ambiente hostil para uma criança negra, pobre, que mora na favela, ou um adolescente homossexual. E assim por diante. É isso que está em jogo: construir uma escola para todo mundo, sem nenhuma restrição.

UOL – Existe uma idade certa para começar a trabalhar o tema?

Ramires – Existe um trabalho que deve ser feito em relação às questões de gênero, do papel de homem e mulher, para desfazer as hierarquias que ainda existem. Acho que isso tem de ser feito desde o berçário: eliminar a ideia da roupinha azul para o menino e a rosa para a menina; a boneca para a menina e o carrinho para o menino. Discutir a questão de gênero é fundamental desde muito cedo.

Agora falar especificamente sobre orientação sexual envolve atração física, desejo erótico, possibilidade de estabelecer um relacionamento, beijar e ter relação sexual. Isso é uma coisa que só é adequada a partir do momento em que o aluno tem maturidade, inclusive física, para tocar nesse assunto. Acho que a partir dos 12 anos, quando começa, em princípio, a chamada adolescência tem que falar da sexualidade em geral.

UOL – Como o professor deve agir diante da situação de preconceito?

Ramires – O princípio básico é não se calar diante do preconceito. É muito comum o professor continuar a aula, como se nada tivesse acontecido. Quando o professor age dessa maneira, ele está legitimando o preconceito, porque se calou diante dele. Se surgir uma situação de preconceito na sala de aula ou no pátio da escola, os professores ou a coordenação devem intervir. Eles devem explicar que aquilo é inaceitável.

UOL - Em uma escala maior, como o senhor avalia o momento do Brasil no estabelecimento de políticas para tratar da homossexualidade nas escolas?

Ramires – Infelizmente a gente está vivendo hoje um momento de retrocesso nessa questão. Prova disso é que os planos municipais de educação, em sua grande maioria, excluíram a menção de trabalhar com gênero e orientação sexual nas escolas. É o temor dos conservadores de todo mundo virar LGBT. Acho que hoje o contexto político é bastante desfavorável. Muitos [políticos agem] por desconhecimento, por ignorância e também por má-fé. Fazer esse trabalho é extremamente necessário. A gente vive numa sociedade extremamente machista na qual a violência contra a mulher está aí colocada e não dá para discutir isso sem falar da desigualdade entre homem e mulher.