Sabe qual é a relação entre cultura do estupro, questão de gênero e escola?
Com o caso da menina que sofreu estupro coletivo no Rio Janeiro (RJ) este mês, a expressão "cultura do estupro" ganhou força e passou a fazer parte de debates dentro e fora das redes sociais.
O termo diz respeito a um ambiente hostil à mulher, que a impede de usufruir plenamente da liberdade sobre o próprio corpo e o seu comportamento. E a escola tem papel fundamental no combate à cultura do estupro.
A educação é a chave da transformação, pois a raiz da violência está em concepções naturalizadas de que a mulher pertence e está disponível ao homem
Valéria Scarance Fernandes, do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Estado de São Paulo
Segundo duas especialistas em direitos das mulheres, é necessário que o ambiente escolar seja um espaço seguro, saudável e de livre discussão para impedir a reprodução de preconceitos e estereótipos.
"Não vamos dizer a elas [às meninas] que têm que costurar ou mexer com panelas, e a eles [aos meninos], que têm jogar futebol: elas precisam vislumbrar que podem ser engenheiras marítimas ou de aviação, se quiserem”, exemplifica Silvia Pimentel, jurista, professora da PUC-SP e, atualmente, no terceiro mandato no Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (em inglês, CEDAW), da ONU (Organização das Nações Unidas).
Temos que retomar criticamente o debate sobre a retirada de gênero nos planos de educação e temos que vencer essa parada
Silvia Pimentel, do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres da ONU
E o que uma coisa tem a ver com a outra?
“A educação é a chave da transformação, pois a raiz da violência está em concepções naturalizadas de que a mulher pertence e está disponível ao homem – e se ela se afasta do padrão social tradicional, provoca eventual violência [contra ela]”, explica a coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Estado de São Paulo, a promotora Valéria Scarance Fernandes.
Fernandes lembra que a Lei Maria da Penha, que completa uma década em agosto de 2016, prevê, como destaque nos currículos escolares, o conteúdo referente à violência doméstica e familiar contra a mulher.
“Falta ainda às escolas a sensibilização para o tema da violência contra a mulher, de um modo amplo, e não só sobre a cultura do estupro – se quisermos construir um mundo sem violência, precisamos entender que os profissionais de educação devem ter um olhar diferenciado”, diz Fernandes.
A temática de gênero não pode ficar de fora-- conteúdo que foi excluído dos planos estaduais de educação de, pelo menos, oito Estados. Um erro, na opinião de Pimentel.
“Temos que retomar criticamente o debate sobre a retirada de gênero nos planos de educação e temos que vencer essa parada", defende Pimentel. "Aí está o fulcro do trabalho a ser feito se quisermos combater a subcultura do estupro, que, por sua vez, está inserida em uma cultura patriarcal e machista que representa o corpo da mulher como algo disponível aos homens.”
Abordagem em escolas sobre estupro
Sobre a violência sexual, Pimentel acha que o esforço deve ser feito já na formação dos professores, uma vez que o assunto é “delicado e que exige cuidado de abordagem”.
“A criança precisa saber que não pode ser tocada pelos outros, mas disso depende, também, treinar o olhar do profissional que vai lidar com ela”, diz a jurista, adepta do bordão “revolução pela educação”. “Uma revolução que nos traga mais cidadania – e que não tenha a cegueira de gênero”, explica.
Na reeducação defendida pela jurista, ela apontou ainda outro agente social que considera fundamental: "precisa ser um trabalho contínuo, profundo e lento também dos meios de comunicação, que, por sua vez, têm muita força também para ajudar a sociedade civil a cobrar do Estado esse tipo de política [de combate à violência]”.
Estatísticas sobre estupro
A nota técnica publicada em 2014 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) revelou que o Brasil tem em média 527 mil casos de estupro registrados por ano – mas só 10% são efetivamente noticiados à polícia. Entre as vítimas, 89% são mulheres, 70% têm até 17 anos, e, em 99,6% dos casos, os agressores são homens – dois terços deles, pais e padrastos.
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