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UFMG tem provas do Enem canceladas em prédios não ocupados por estudantes

Centro de Atividades Didáticas é um dos 11 prédios ocupados na UFMG - Rayder Bragon/UOL
Centro de Atividades Didáticas é um dos 11 prédios ocupados na UFMG Imagem: Rayder Bragon/UOL

Léo Rodrigues

Da Agência Brasil

06/11/2016 10h47

Estado mais afetado pelo adiamento do Enem em locais ocupados, Minas Gerais teve a data de aplicação da prova alterada em 90 locais, dos quais 29 apenas em Belo Horizonte. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde pelo menos 11 prédios estão ocupados, o MEC cancelou o Enem mesmo em edifícios que não havia ocupação, como a Biblioteca Central, a Faculdade de Odontologia, a Escola de Veterinária e o Centro Pedagógico. A prova não foi aplicada em nenhum dos 18 prédios da UFMG previstos no exame.

No Centro de Atividades Didáticas 2, os estudantes ocupados evitam fornecer o sobrenome e informar o curso temendo represálias. As aulas estão suspensas, e os manifestantes mantêm uma programação de atividades que conta com a ajuda de professores e inclui aulões, palestras, debates e eventos culturais.

O estudante Pedro diz que, embora a aplicação do Enem no edifício pudesse ser um processo complicado, faltou diálogo. "Estivemos o tempo inteiro aberto para conversar, e ninguém nos procurou. É preciso dialogar, pois, se as nossas pautas não forem consideradas, as ocupações serão mantidas. Essa PEC é apenas a primeira medida. Com ela, tem-se uma base para a reforma da Previdência por exemplo. É a política do Estado mínimo", comenta.

Para a estudante Suzana, o exame poderia ter sido realizado na UFMG. Segundo ela, os manifestantes poderiam escolher algumas pessoas para tomarem conta da ocupação durante a aplicação da prova, enquanto as demais esperariam do lado de fora. "O MEC simplesmente disse que a gente tinha até o dia 31 para sair. Não fizeram nenhum esforço para negociar. Esse adiamento é uma tentativa de colocar estudante contra estudante", critica.

Uma das integrantes da ocupação da Faculdade de Letras, Isabella Célia Andrade, 22 anos, lamenta que alguns candidatos possam se sentir prejudicados. "Pensando nos alunos que fariam a prova do Enem, não acredito que tenha sido bom. Eles vão esperar mais um mês e farão uma prova diferente. Mesmo que niveladas, elas serão diferentes. Não é positivo. Por outro lado, esse impasse deu visibilidade para as ocupações", diz.

"Até então, os jornais estavam mais preocupados em ensinar receitas para o jantar. Ninguém sabia do que estava acontecendo aqui dentro, dos motivos da nossa luta. Essa união dos estudantes é em favor da sociedade. Nossa vitória pode beneficiar todo mundo", completa Isabella.

Para Isabella, a decisão estava nas mãos do MEC, que poderia ter escolhido entre adiar a prova para todos os candidatos, adiar para alguns ou buscar outros locais de prova. Ela acha que não daria certo manter as provas na Faculdade de Letras. A estudante destaca ainda que o movimento estudantil é favorável ao Enem. "Ninguém aqui é contra. Entre as atividades da ocupação, fizemos uma oficina que durou três dias com professores convidados de várias áreas tirando dúvidas do conteúdo da prova. Várias pessoas participaram", destacou.

Ministério Público

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) chegaram a ingressar ontem (4) com uma ação judicial pedindo que todos os inscritos no Enem pudessem fazer suas provas hoje (5) e amanhã (6). No entanto, os procuradores não conseguiram obter uma liminar em tempo hábil.

 

A ação tinha com base um termo de compromisso para manter a realização das provas firmado na terça-feira (1º) por um grupo de estudantes mineiros, o consórcio responsável pela aplicação do Enem em Minas Gerais e representantes das Secretarias Estaduais de Educação e de Segurança firmaram um termo de compromisso para manter a realização das provas no estado. A decisão final dependeria do MEC, que não cedeu.

Os promotores também destacaram que no segundo turno da eleição municipal de Belo Horizonte, o processo ocorreu normalmente nas escolas ocupadas. Na ocasião, havia sido feito um acordo entre o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) e representantes estudantis que delimitou as áreas das ocupações para não atrapalhar o fluxo de eleitores.

Na visão do ministro da Educação, Mendonça Filho, essa logística não seria possível. "Mudança de local de prova não é tão simples como mudar uma urna de local para outro. Exige cálculo e avaliação de processos de segurança que são complexos. E uma mudança no local de prova poderia ensejar uma mudança da ocupação. Como ficaríamos nessa situação? Ficaríamos numa mudança quase que ilimitada e infindável", argumentou.

 

Engajamento

 

A manifestação dos estudantes na Faculdade de Letras também tem contado com o apoio dos professores. Antes de a ocupação ser deflagrada, foi realizada uma reunião em auditório onde os estudantes se dispuseram a ouvir a opinião dos docentes. Alguns manifestaram receio, outros deram apoio. "A visão deles é importante para nós. Eles estão dando bastante suporte. Há professores trazendo doações, às vezes dinheiro, às vezes comida", conta Isabella.

 

Para a estudante de Letras, a comunidade estudantil não se engajava dessa forma em uma causa havia muito tempo. "Estava demorando, mas as pessoas viram que só ir para a rua não ia adiantar, que só fazer passeata não ia dar certo. E ocupar esse espaço que é nosso foi uma forma pacífica que encontramos para chamar a atenção e poder apresentar nossas reivindicações. Aprovar a PEC 55 é tirar oportunidade de quem é pobre, de quem precisa de apoio do estado. nós precisamos oferecer oportunidades para todos", declara.

 

A estudante também critica o fim da obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia no ensino médio, classificando a reforma educacional de retrocesso. "Foi recente a inclusão dessas disciplinas no currículo. Havia sido um avanço importante. O que parece é que querem criar uma sociedade que não pensa e que só produz", contesta.

 

Segundo Isabella, as diversas ocupações em escolas e universidades públicas de Belo Horizonte estão muito bem articuladas. Decisões sobre a manutenção do movimento durante o Enem entraram em pauta em reuniões periódicas que contam com a presença de representantes universitários e secundaristas das várias instituições. "Sabemos de tudo o que acontece entre as ocupações e, se houve problema em algum local, podemos rapidamente deslocar pessoas para lá", diz.