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Goiás aposta em 'militarização' de escolas para vencer violência

Para acabar com a violência, o governo estadual de Goiás "militarizou" as escolas mais problemáticas - Fernando Pessoa/CPMG
Para acabar com a violência, o governo estadual de Goiás 'militarizou' as escolas mais problemáticas Imagem: Fernando Pessoa/CPMG

Renata Mendonça

Em São Paulo

26/08/2014 08h31Atualizada em 28/08/2014 14h42

No portão de entrada, o sequestro relâmpago de uma professora; na sala de aula, o assassinato de um ex-aluno; no banheiro, tráfico de drogas: esse era o retrato da escola Fernando Pessoa em Valparaíso (GO), que acendeu o alerta das Secretarias de Educação e de Segurança Pública de Goiás para os frequentes casos de violência na rede de ensino estadual.

Para combatê-los, o governo goiano, literalmente, chamou a polícia. Numa medida polêmica, a escola Fernando Pessoa, assim como outras 11 da rede estadual no último ano, passou por um processo de "militarização" do ensino, resultado de uma parceria das duas Secretarias (Educação e Segurança) para acabar com a violência no ambiente escolar.

Na prática, os militares assumem a administração da escola, enquanto a parte pedagógica (professores e métodos de ensino) segue sob a alçada da Secretaria de Educação.

Em consultadas realizadas pelo #salasocial, o projeto da BBC Brasil que busca conteúdo original nas redes sociais, leitores disseram que a educação deveria merecer mais atenção por parte dos candidatos a cargos públicos. E professores compartilharam denúncias de agressões que sofreram tanto em nossas páginas de Facebook e Twitter.

'Hierarquia e disciplina'

Os resultados da mudança implantada no início deste ano, segundo a escola e o governo goiano, foram satisfatórios. O diretor do agora Colégio Militar Fernando Pessoa, capitão Francisco dos Santos Silva, afirma que, implementando os princípios básicos militares de "hierarquia e disciplina", a escola conseguiu acabar com os casos de violência e virou um "sonho" para os moradores da cidade.

"Aqui, aluno fumava droga dentro da escola e batia em professor. Eu cheguei a ter de tirar uma professora da aula. Ela estava em um estado tão grande de depressão, que eu tive que tirá-la da sala", conta o capitão à BBC Brasil. "Agora, é outro mundo, os próprios professores perguntam como nós conseguimos. Antes, eram os alunos que mandavam na escola", diz.

Entre os pedagogos e especialistas, porém, o modelo militar é bastante questionado. "Resolve a violência por causa do medo da repressão. Mas não resolve o problema real", defende a doutora em Ciência da Educação e coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas do Brasil, Miriam Abramovay.

A escola se tornou militar em janeiro deste ano e, segundo o capitão Santos, conseguiu manter 80% dos alunos após as mudanças – eram 680 alunos até então. Agora, o colégio tem quase o dobro de estudantes (1.100) e atuam nele um total de 13 oficiais militares, 38 professores – a maioria mantida do modelo antigo da escola, com apenas algumas trocas daqueles que "não se adaptaram ao novo esquema" -, além de uma psicóloga, uma psicopedagoga e outros funcionários. 

Entre as funções dos militares, estão as de cunho administrativo – o comandante e o sub-comandante fazem parte do corpo diretivo – e também as de "coordenadores de disciplina", que são responsáveis por fazer com que os alunos cumpram as regras da cartilha militar.

"O ser humano se adapta ao meio. Quando você tira o meio violento, as palavras pesadas, eles mudam, o linguajar muda, o falar muda, a gente trabalha a consciência deles", diz o capitão Santos. "Os alunos receberam muito bem, teve três ou quatro pais que não ficaram satisfeitos. Mas para a região aqui é um sonho para esse povo, muita gente queria e não tinha oportunidade.

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Imagem: BBC Brasil

Mudanças

O dia a dia do aluno do Fernando Pessoa já começa diferente ao sair de casa para ir à escola. Antes, bastava colocar a camiseta do colégio, agora é preciso vestir o uniforme militar completo de estudante e cuidar para que tudo esteja "nos trinques" – uma camisa para fora da calça já pode gerar uma chamada de atenção.

O corte de cabelo dos meninos agora é "padrão militar", e as meninas devem manter o seu preso. Esmalte escuro é proibido, assim como acessórios muito chamativos. Mascar chiclete, falar palavrão ou se comunicar com gírias ("velho", "mano", "brother") também são práticas banidas da escola desde que ela se tornou militar.

Ao chegarem à escola, o tradicional "bom dia" foi substituído por uma continência. "Ela é a nossa saudação, para o professor ou entre os alunos, é um jeito de dizer 'bom dia, como vai?'", explica o capitão Santos. Daí vem o perfilamento em formação militar seguido da revista de um "coordenador de disciplina" para evitar que alguma regra seja desrespeitada. Uma vez por semana, há também a formação geral para cantar o hino nacional e o hino à bandeira, enquanto a mesma é hasteada conforme manda o protocolo militar.

Além dos novos hábitos, os alunos da escola Fernando Pessoa ganharam também novas aulas. O currículo do Ministério da Educação (MEC) é mantido, mas os militares adicionaram à grade aulas de música, cidadania, educação física militar, ordem unida, prevenção às drogas e Constituição Federal.

"Nós trabalhamos o respeito com o próximo, a responsabilidade com horários, a reverência aos mais velhos. E a convivência", conta o diretor, que garante também não aplicar punições severas aos alunos que quebrarem as regras.

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Imagem: BBC Brasil

'Mensalidade'

Desde que os militares passaram a administrá-la, a escola Fernando Pessoa passou por reformas e teve sua aparência transformada. "A escola era toda pichada, toda deteriorada, banheiros quebrados. Tirei oito caminhões de lixo daqui, era uma coisa muito triste. Agora, reformulamos, pintamos, pusemos climatizador nas salas, sistema de câmera, não tem mais nada de violência", diz o diretor.

O próximo passo, segundo ele, é informatizar todas as salas, ampliar a área de esporte, construir uma piscina olímpica para natação e hidroginástica e criar um anexo para receber mais alunos. Mas tudo isso não é pago somente com a verba destinada pelo governo do Estado. Quem estuda no colégio militar Fernando Pessoa agora é convidado a "contribuir voluntariamente" com o pagamento de uma matrícula (R$ 100) e de uma mensalidade (R$ 50). O "custo" para o aluno inclui também a compra do uniforme militar, de R$ 150.

"É voluntário, acharam que isso era uma obrigação, mas não é. Contribui quem quer. O uniforme faz parte também, quem não teve condição de comprar a escola doou. Tiramos 10% dos pais que contribuem para ajudar quem não tem condição", esclarece o comandante Santos.

"Nós reunimos os pais e passamos pra eles como funciona nossa escola. Mostramos que esse apoio deles é muito pouco pelo que a gente oferece. E eles acreditam e acabam aderindo. Muitos ajudam até com mais", diz.

Solução questionada

A "solução" encontrada pela escola Fernando Pessoa com a "militarização" do ensino é vista por alguns educadores como uma forma de a escola "fugir" do problema. Para Miriam Abramovay, uma das principais especialistas em violência no ambiente escolar – responsável por coordenar, inclusive, uma pesquisa da Unesco sobre o assunto -, a atitude mostra um certo "desespero" da escola, que "atesta sua incapacidade" para resolver a questão.

"Militarizar a escola é algo muito grave, porque a escola atesta que ela não é capaz de nada, que para ela funcionar, tem que vir gente de fora, tem que vir a polícia. E aí dizem que isso resolve, mas resolve pela repressão", pondera.

O método da disciplina que proíbe o uso de palavrões e de um linguajar mais despojado também é questionado por Abramovay. "Falar palavrões, usar gírias é normal entre os jovens, faz parte da linguagem juvenil, em algum momento sai palavrão. Proibi-los disso é mais uma forma de repressão", diz.

Por último, a pesquisadora pontuou que não há números concretos que comprovem a eficiência dos militares no combate à violência na escola.

"Nos Estados Unidos, quando a polícia entrou nas escolas americanas, a violência só aumentou. Sabemos isso porque lá tem números, aqui não temos números. Os adolescentes e jovens estão sempre tentando burlar as formas de repressão que eles sofrem, então por isso que não resolve a violência desse jeito", observa. "Nós já tivemos uma ditadura militar aqui, não dá para chamar os militares para qualquer coisa."