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Educação nas eleições: é preciso desconfiar de promessas fáceis

Alan Marques/Folhapress
Imagem: Alan Marques/Folhapress
Anna Helena Altenfelder

06/03/2018 15h05

“O que falta neste país é educação”. “O investimento mais importante de um país é na educação de suas crianças e jovens”. “Para sair da crise e crescer de forma sustentável, o Brasil precisa investir mais em educação”. “A educação precisa ser prioridade”. Essas e outras afirmações sobre a importância da educação em nossa sociedade são cada vez mais recorrentes na mídia, nas conversas entre amigos, em reuniões de familiares e em discursos políticos.

De fato, o debate sobre educação cresceu nos últimos anos. Quase todo mundo tem propostas para enfrentar as enormes dificuldades que temos na área, ou uma opinião sobre medidas e reformas anunciadas por governos e isso é bastante positivo. A sociedade pode e deve debater o tema e se posicionar a respeito. Mas, se no discurso parece haver um certo consenso sobre a importância da educação, por que na prática não conseguimos avançar nos resultados de nossos alunos?

Em primeiro lugar, é preciso entender que o que existe de fato é um discurso comum sobre a importância da educação, porém, quando se avança em questões como estrutura e funcionamento das escolas, quais e quantas disciplinas o currículo abranger, que conhecimento, competências e habilidades os alunos devem ter ao final da educação básica, quais metodologias e tecnologias devem ser utilizadas, os consensos ficam mais difíceis. Isso acontece porque, na verdade, a grande discussão por detrás dessas questões práticas é que aluno queremos formar, que cidadão e profissional o país quer e precisa e, principalmente, se queremos uma educação de qualidade para todos ou para poucos. Os entendimentos comuns a este respeito são mais difíceis na atual conjuntura política do país, em que não existe acordo sobre o projeto de sociedade que queremos.

Além disso, existe ainda um grande desconhecimento, ou mesmo ideias equivocadas, sobre a realidade da educação no país, como mostra uma recente pesquisa de percepção realizada pelo Movimento Mapa Educação e pelo Idea Big Data. O levantamento ouviu, por telefone, 1.200 pessoas de todo o Brasil entre os dias 4 e 12 de dezembro de 2017. Entre os inúmeros resultados, alguns chamam a atenção por demonstrar que, muitas vezes, a percepção do problema não corresponde à realidade.

Por exemplo, para 89% dos entrevistados, o Brasil não vai atingir a meta de chegar à nota 6,0 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que mede a qualidade da educação com base em resultados dos alunos em português e matemática e no fluxo escolar) para o Ensino Fundamental até 2021. Para 60% deles, a nota vai ser menor que 5,0, enquanto hoje ela já está acima desse patamar, em 5,5. É bastante significativo que, nessa questão, o índice de acerto da realidade foi maior entre as classes C, D e E, as maiores usuárias da educação pública.

Entender os números da educação em um país com a amplitude territorial e a magnitude e diversidade populacional do nosso é importante para dimensionar os enormes desafios que temos. Certamente não precisamos todos ser especialistas no assunto, mas, principalmente em um ano de eleições, é importante estarmos atentos a dados e informações que podem fazer a diferença na hora de avaliar programas e propostas de governo para área. Caso contrário, estamos sujeitos a acreditar em soluções mágicas ou, pior ainda, a comprar falsos problemas criados por aqueles que buscam angariar votos vendendo soluções igualmente irreais. Por isso, sem pretender esgotar o assunto, proponho aqui uma breve lista de proposta para a educação das quais devemos desconfiar nestas eleições.

O Brasil tem mais de 48,5 milhões de alunos matriculados na educação básica, dos quais mais de 81,7% estudam na rede pública. Temos quase 184 mil escolas e 2,2 milhões de professores que atuam em todo o território nacional, em escolas rurais e urbanas, em pequenas cidades e grandes metrópoles, em locais com níveis socioeconômicos e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) variados, infraestruturas diferentes e uma enorme diversidade sociocultural e racial. Garantir educação de qualidade neste contexto não é uma tarefa simples.

Se o que queremos é educação de qualidade para todos, nessas eleições devemos olhar com cuidado propostas que possam não ter escala suficiente ou sem previsão de estratégias diversas para atender a populações diversas. É o que pode acontecer, por exemplo, com a educação de tempo integral, a depender como a propostas é criada e implementada. Embora tenha impactos muito positivos na aprendizagem dos alunos, só criar escolas de tempo integral destinadas a uma minoria, enquanto o restante das escolas segue no abandono, pode aumentar as desigualdades, como apontam pesquisas do CENPEC.  

Outro ponto importante a ser considerado é que temos um atraso educacional em relação a outros países. O Brasil demorou muito para garantir que todas as suas crianças pudessem frequentar a escola, mesmo quando comparado com outros países da América Latina, como o Chile e a Argentina. O nosso grande esforço nos últimos 30 anos foi ampliar o acesso à escola e, sem dúvidas, avançamos muito na inclusão de populações que até então estavam fora do sistema escolar. Contudo, temos ainda um enorme desafio em garantir a permanência e, sobretudo, que todos e todas efetivamente aprendam, principalmente nos níveis de ensino mais avançados.

Como podemos constatar, teremos que resolver, ao mesmo tempo, problemas do século XX, como a garantia de permanência e de aprendizado adequado, e todos os desafios do século XXI. Isto é, temos que pensar em uma escola mais contemporânea, que dialogue com as mudanças do mundo do trabalho e com a cultura digital, que promova o protagonismo das crianças e jovens e que incentive a participação ativa e crítica na sociedade. Por isso, precisamos ver com cautela propostas que prometam resultados finlandeses em pouco tempo, planejamento e ações de curto, médio e longo prazo.

E já que o assunto é a Finlândia, nunca é demais reforçar: por mais que países como o escandinavo, a Coreia do Sul e mesmo vizinhos como o Uruguai tenham boas experiências com as quais podemos aprender, é preciso considerar que as soluções encontradas por eles respondem a realidades que nem sempre correspondem à nossa. Isso quando não há também sérias diferenças culturais. Então, desconfie de candidatos que pretendem reproduzir modelos e soluções sob a única justificativa de quem este ou aquele país o fizeram e obtiveram sucesso.

Vale ter cautela também com uma questão muito presente nos debates: é preciso mais financiamento ou já temos dinheiro suficiente que precisa ser mais bem gerido? Trata-se de uma falsa dicotomia, são precisos os dois. Por isso, desconfie de candidatos que pretender melhorar a educação sem investir e melhor a infraestrutura básica das escolas, sem pagar salários adequados e dar condições suficientes e adequadas para que os professores desenvolvam suas atividades, mas também daqueles que não se preocupam em melhorar a gestão dos recursos, ou não propõem o monitoramento e uso dos resultados das avaliações com foco na garantia da aprendizagem.

Enfim, como nos mostram os estudiosos de diversas áreas, a educação é um fenômeno complexo, que precisa ser entendido, analisado e pensado em seus múltiplos. Portanto, devemos desconfiar de soluções simples, de receitas infalíveis, do discurso da “volta ao passado” e da reprodução de modelos importados de outros países. Mas, acima de tudo, se queremos um país em que todos tenham oportunidades iguais e possam colaborar para o seu desenvolvimento, devemos estar atentos se projetos e políticas são pensados na perspectiva do enfrentamento da desigualdade, ou se repetem um padrão histórico no país: educação de qualidade para poucos.