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O que a escola pode (e o que não pode!) fazer com o aluno caloteiro

Guilherme Perez Cabral

07/03/2016 06h00

A crise econômica chegou ao ensino privado. Para cortar gastos, famílias transferiram seus filhos para escolas públicas, gratuitas. A Federação Nacional das Escolas Particulares fala em perda de 10% das matrículas, no setor, em 2016. Dos que perseveram se virando como podem, na escola paga, supostamente melhor, muitos têm enfrentado dificuldades para arcar com as mensalidades. De acordo com dados de serviços de proteção ao crédito, o número de inadimplentes só cresce.

Preocupa muitos pais e estudantes, nesse cenário, o que pode o acontecer se dinheiro não der e o atraso no pagamento acontecer. Vamos lá.

A Lei nº 9.870/1999 cuida especificamente dos contratos de prestação de serviços educacionais. Protege o direito à educação, tentando equilibrá-lo com a sustentabilidade econômica da escola. Destaco dela, duas regras fundamentais.

Primeiro, a proibição de desligamento do estudante, por inadimplência, durante o período letivo. O desligamento só poderá ocorrer no final do ano ou, no ensino superior, no final do semestre, quando a faculdade adotar o regime didático semestral. Enfim, se pagou a primeira mensalidade e, portanto, está matriculado, o aluno tem o direito de estudar até o final do período letivo, pagando ou não as demais parcelas.

E, aqui, um detalhe importante. Para o desligamento, no fim do ano (ou semestre), não basta que o aluno esteja devendo. A dívida já deve perdurar por três meses. Ou seja, se não pagou a(s) parcela(s) de novembro e/ou dezembro, apenas, a matrícula para o período seguinte, em janeiro, está garantida. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo, a proibição de penalidades pedagógicas ao estudante inadimplente. Isso inclui bastante coisa. A escola não pode impedi-lo de assistir às aulas, de utilizar os espaços escolares (laboratórios, bibliotecas, etc.) e de realizar trabalhos e avaliações. Não valem, também, medidas vexatórias ou que, de qualquer forma, marquem o aluno como “caloteiro”, dificultando sua vida estudantil. O não raro apito e trava da catraca, forçando-o a entrar na escola pela portinha ao lado, não pode!

A instituição também não pode se negar a entregar documentos escolares, como o certificado de conclusão ou os necessários para uma transferência para outra escola.

Em suma, não pode misturar as questões financeiras com a vida estudantil do inadimplente, que segue seu curso normal, ao longo do período letivo. Tem que prestar o ensino, com qualidade, sem diferenciações, portanto.

O que pode fazer, mesmo antes do fim do ano, é iniciar procedimentos de cobrança, inclusive judiciais, desde que compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor. Mas somente se a inadimplência perdurar pelos 90 dias citados (discute-se se é possível a “negativação” do nome do devedor: o Procon entende que não; eu discordo, não vejo nenhum impedimento legal para isso).

Enfim, por força da Lei nº 9.870/1999, não se aplica, aqui, a regra do direito civil, segundo a qual, nos contratos com obrigações recíprocas, se um contratante não cumpre com sua parte, não pode exigir que a outra cumpra a sua. Numa compra e venda, o vendedor que não entrega o produto, como combinado, não pode exigir que o comprador pague o preço. Na relação educacional é diferente.

Durante o período letivo, o aluno devedor vai estudar, sim. Ponto final. E não vai sofrer nenhum prejuízo pedagógico. Se a dívida venceu a mais de 90 dias, a escola pode cobrar, pelas vias legais cabíveis, esperando até o fim do ano/semestre para desligá-lo. O mantenedor sabe disso. Assumiu os riscos do negócio, por ideologia ou para lucrar mesmo. Não administra loja em Shopping Center. Estamos falando de educação.