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Educação e direito: nem PT, nem impeachment

Guilherme Perez Cabral

09/05/2016 06h00

A decisão já tomada sobre o afastamento da presidente da República será concretizada nos próximos dias. Muito se falou e pouco ou nada se ouviu, no processo que corre no Congresso Nacional. Denunciantes acusaram, defensores defenderam, especialistas deram suas aulas, deputados discursaram. Mas não houve aprendizado. Pior para a condenada.

Pronto. Foi observado o “devido processo legal” e assegurada a “ampla defesa”. Os argumentos dos acusadores autorizam, agora, que o cidadão de bem se entregue à ilusão de que o afastamento, decidido lá trás, é legal. É, acima de tudo, justo. No fim, o palavrório todo, nesse teatro parlamentar, serviu para criar a impressão de que “os argumentos justificam as decisões e não as decisões os argumentos” (a afirmação é de Luhmann).

Ninguém entendeu nada. Nem precisa. Grande parte da população não faz a menor ideia do que seja um “decreto”, uma “pedalada fiscal”, um “crime de responsabilidade”, um “sistema presidencialista”, um “Estado democrático de direito”, a tal da “Constituição”. O importante (não se sabe, também, muito bem porque) é a Dilma e o PT caírem.

Esse cenário triste tem tudo a ver com o nosso tema. Educação e direito.

O governo do PT, já se disse, é indefensável. Fez o jogo do poder para alcançá-lo. Aliou-se ao que de pior existe (ou mesmo o comprou). Não se distingue mais daquilo contra o que, um dia, lutou. Caiu na armadilha velhaca dos Donos do Poder, na lição de Raymundo Faoro: domesticado, perdeu a cor própria e viva. Nunca foi bem vindo e, enfim, pode ser dispensado. Bem feito.

Mas não vale tudo para tirá-lo de lá. Aceitar o desrespeito ao direito, para atingir um objetivo (por mais nobre que pareça) é abrir uma porta – logo, uma avenida – para que seu direito seja desrespeitado, na realização dos objetivos dos outros. Não é uma boa ideia.

Para a queda da Presidente, no processo que tramita no Congresso, não está em discussão o preocupante índice de desemprego, a crise econômica, o “conjunto da obra”. O que temos de responder é uma só questão: houve crime de responsabilidade ou não, como previsto em nossa legislação? E, para respondê-la, é preciso aprofundar minimamente o tema. Sem isso, não dá para ser a favor ou contra o impeachment.

É indispensável, além de sentir, parar e pensar um pouco, antes de se juntar à turma dos outros corruptos e defender o afastamento. Ouvir os dois lados. Muitos juristas e pensadores estão escrevendo sobre o tema. Vale a pena lê-los. Prestar atenção nas falas de Geraldo Prado, Ricardo Lodi Ribeiro e Marcello Lavenère. Afrânio Silva Jardim, Marcelo Semer, dentre tantos outros.

Aqui, entra a questão da nossa educação. Está claro que não nos preparou para enfrentar situações complexas como a que vivemos. Ir além da parcialidade rasa de comentaristas de política que não estudaram nem viveram a política. Tentar entender a “história toda”, que extrapola as manchetes da revista.

Estacionamos naquilo que Paulo Freire chama de consciência ingênua. É simplista na interpretação dos problemas e apresenta conclusões apressadas e superficiais (o Brasil vai mal, caia a Presidente!). Partindo do princípio de que sabe tudo, é impermeável à investigação... Possui forte conteúdo passional. Pensando assim, somos os “ingênuos úteis” de uma turma que não está nem aí para a gente.

Superemos esse estrume todo. Mas de forma crítica. Tenho, hoje, uma posição: façamos oposição ao Governo Dilma, mas lutemos contra o teatro armado para seu afastamento. São coisas distintas. Vamos, porém, ouvir mais, debater mais. Ver qual razão (a minha ou a sua) sucumbe a um bom diálogo.