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Meritocracia e igualdade na escola

Vilmar Oliveira
Imagem: Vilmar Oliveira
Guilherme Perez Cabral

17/04/2017 04h00

Temos que tomar muito cuidado ao defender a meritocracia, na escola, numa sociedade tão desigual e injusta como a brasileira.

Por meritocracia podemos entender, em linhas gerais, uma organização social cujas posições são alcançadas com base no mérito. Na escola, remete à adoção do merecimento como o parâmetro de todo tipo de processo seletivo (programa de intercâmbio ou de bolsa de estudo, vestibular, etc).

Acontece que muita gente, quando a defende, toma por merecimento a maior “nota” numa avaliação, considerados todos os “concorrentes” como iguais, independentemente de classe social e oportunidades que tiveram na vida (se puderam ou não estudar na melhor escola com os melhores professores, se tiveram ou não que trabalhar para ajudar a família, etc).
Dessa forma, meritocracia se torna sinônimo de desigualdade.

A igualdade é um direito fundamental previsto na Constituição. Tem dois aspectos, um meramente formal e outro material. E só quando este último está presente é que o mérito de cada um pode ser, de fato, avaliado.

Se diz formal a igualdade perante a lei. Seu sentido se mistura com sua origem histórica. É um direito afirmado na Europa dos idos de 1700, contra os privilégios do Rei absolutista e da nobreza. Exige que todos sejam tratados igualmente pela lei, sem privilégios nem discriminações por causa de origem ou classe social.

Nesse formato, porém, a coisa não deu muito certo. Na prática, a igualdade formal escondeu (e ainda esconde) as desigualdades reais entre as pessoas, aprofundando-as ao desconsiderar as peculiaridades e necessidades específicas de cada um.

Reconhecido isso, consolidou-se, no século passado, a ideia de igualdade material ou substancial, depois inserida na Constituição de 1988. Diz respeito ao tratamento desigual entre as pessoas, pela lei e pelo Estado, para corrigir as discriminações, exclusões sociais e desigualdades de fato.

No âmbito da educação, isso aparece, principalmente, na forma de ações afirmativas com destinação de vagas e da concessão de bolsas de estudo para grupos historicamente discriminados. Estamos falando de pessoas esforçadas, estudiosas, mas que não acertaram a loteria astral de vir a este mundo filhos de pais brancos e ricos.

Tudo para garantir a igualdade (no seu sentido material), que aparece também, na Constituição, na forma do princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola.
Dito isso, é válida, sim, a defesa da meritocracia escolar --desde que consideradas as desigualdades da vida real e elas sejam corrigidas para que todos os estudantes possam largar do mesmo ponto de partido na corrida acadêmica.

Para tanto, no Brasil de hoje, ou são mantidas as políticas e ações do Estado para “igualização” de oportunidades aos pobres, negros, indígenas, etc; ou, como outra saída (para quem só pensa em cortar investimento público), extinguem-se os privilégios e facilidades dos afortunados.

Corta, por exemplo, o direito à herança, a sorte grande de ser filho de quem tem patrimônio para garantir as melhores chances na vida, independentemente de qualquer esforço e merecimento pessoal. Acaba com o programa paternalista e assistencialista de bolsa de estudo (chamado herança) que mais prejudica uma efetiva meritocracia escolar no Brasil.