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Lição freudiana sobre a (in)felicidade e o amor

Guilherme Perez Cabral

19/06/2017 10h17

Encarava a estante de livros, modesta e desordenada, procurando “A Política” de Aristóteles. Ajudaria muito no texto que pensava escrever. No amontoado de livros fora do lugar, cuidadosamente jogado no meio de tantos outros, encontrei outro, dado como desaparecido na última vez que o procurei. “O mal-estar na civilização”, de Sigmund Freud.

O havia recomendado, semanas atrás, para um aluno ávido de saberes filosóficos. Pensava amenizar sua frustação diante das insuficientes lições do Direito. A mim, indicou um professor, há algum tempo. Pensava em amenizar minha frustação diante da insuficiência das respostas também da filosofia (e da razão) às minhas questões mais profundas.

A pequena obra é repleta de reflexões profundas. A leitura de Freud é muito agradável. Das partes que gosto mais, tem algumas que gosto mais ainda. Destaco uma: a que trata de nossa busca pela felicidade. O que a humanidade pede da vida e nela deseja alcançar: ser feliz.

O projeto, contudo, explica Freud, não pode ser concretizado. Está “em desacordo com o mundo inteiro (...) É absolutamente inexequível, todo o arranjo do Universo o contraria”. Explica: aquilo a que chamamos felicidade vem da satisfação repentina de desejos e necessidades “altamente represadas”. E somente se realiza como “fenômeno episódico”: uma explosão de prazer, um gozo.

Então, quando uma situação assim desejada tem prosseguimento, “isto resulta apenas em um morno bem-estar; somos feitos para fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado”. Citando Goethe: “Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias belos”.

Diante da realidade e sob a pressão da possibilidade de sofrimento (ser infeliz é bem menos difícil), a humanidade, por diferentes caminhos, contenta-se com projetos menos ambiciosos de felicidade. O aspecto positivo, da vivência de prazeres, cede ao outro, da mera ausência de dores existenciais.

Frente ao mundo que não se submete às nossas vontades, alguns preferem atuar no controle destas, vivendo uma vida simples e equilibrada. Outros deslocam a meta de ser feliz ao trabalho e possíveis conquistas profissionais. Tem ainda aqueles que fogem das frustrações, por meio das drogas e do álcool: o “afasta-tristeza” que produz independência e alegria artificial e momentânea. Freud fala também da felicidade pelo gozo da beleza --e, acrescento, do “parecer” belo e feliz, ilusão de felicidade medida por “curtidas” nas redes sociais.

Há muitos caminhos e não há conselho válido para todo mundo. “Cada um tem de descobrir sua maneira particular de ser feliz”, diz o autor. Das “técnicas da arte de viver”, destaca uma, porém. A que mais nos aproxima da felicidade plena e, ao mesmo tempo, a que nos deixa mais desprotegidos da frustração. É o amor (sexual, materno, entre amigos, etc.). Todo amor que houver nessa vida.

O amor que, não raro, nos tira uma de nossas únicas certezas: a certeza do “nosso Eu”, distinto dos outros, bem demarcado de tudo mais. Quando amamos, a fronteira entre o Eu amante e o ser amado ameaça desaparecer. O amante afirma que “são um, e está preparado para agir como se assim fosse”.

O problema é que “nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor”. Daí o amor ser tão desaconselhado por sábios de todas as épocas --fato que jamais o impediu de atrair muitos “seguidores”.

Me identifico com essa fórmula, o amor. E não acredito que se trate de uma escolha. Simplesmente, amamos. Não a todos evidentemente (quanto aos que não amamos, basta que os respeitemos).

Diante das dores da vida e na constante (e frustrante) busca da plenitude da felicidade, valho-me também, é claro, de antídotos contra a tristeza. Há muitos prazeres e alegrias por aí. O prazer da leitura de Aristóteles, Freud, dentre tantos outros, por exemplo. Também as recomendo como me foram recomendadas.