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Currículo diferenciado

Lucila Cano

11/03/2016 06h00

Em nosso país, ainda crianças ou adolescentes, as mulheres encontraram a primeira oportunidade de emprego no trabalho doméstico. Imperava a necessidade de ajudar a família, sempre mais numerosa à medida que retrocedemos no tempo. Tal condição se mantém entre os mais pobres e em qualquer região, embora seja menos aparente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente e o vínculo de programas sociais à obrigatoriedade da criança na escola contribuíram para minimizar a situação. No entanto, o número de inscrições não eliminou a lida doméstica. A matrícula não atesta que a criança vá à escola com regularidade e disponha de tempo para estudar. Os mecanismos de controle da efetividade dos programas são escassos. As famílias pobres continuam pobres. 

A maior evasão escolar persiste na faixa do ensino médio entre jovens de 14 a 18 anos que precisam trabalhar. No caso das meninas, há ainda a ameaça da gravidez precoce que acaba retardando, e às vezes eliminando, as oportunidades de estudo e trabalho qualificado.

Contratação de mulheres

Da casa do alheio para a indústria, novos caminhos se abriram. Certas empresas passaram a dar preferência ao trabalho feminino, em decorrência de características inerentes às mulheres – mãos mais delicadas para lidar com peças pequenas, por exemplo - e não por questões de valorização profissional e equilíbrio de oportunidades para ambos os sexos.

Esses conceitos igualitários são recentes e ainda estão no plano das reivindicações. Mas, a despeito da prevalência da desigualdade, não podemos negar a marcha evolutiva. Salvo raras exceções, do diploma do curso Normal - símbolo de uma época - ao qual as mulheres que podiam estudar se limitavam, muita coisa mudou.

Mulheres fazem bonito nas mais diversas áreas e atividades. São poucas ainda a ocupar postos decisórios e a comandar equipes, em relação à sua parcela percentual na população. Mas, continuam firmes na busca de realizações.

A seu favor, as mulheres contam com um currículo diferenciado. Além de se mostrarem melhores alunas e obterem as melhores notas na escola, elas também sempre permaneceram mais tempo em seus empregos do que os homens, segundo resultados de algumas pesquisas.

Em sua grande maioria, expostas a provas de resistência de ordem física e mental, enfrentando mais de uma jornada de trabalho, e tendo que conciliar a vida pessoal com a profissional, as mulheres conquistaram uma vantagem competitiva. O fator resiliência é significativo.

Evolução conta-gotas

Na atualidade, uma tendência de valorização das mulheres vem transformando cenários, literalmente, no mundo corporativo. Empresas estão acordando para os bons resultados obtidos quando as mulheres trabalham em ambientes mais acolhedores e amigáveis. Instalações como salas para amamentação, salas de convivência e de descanso passam a ser vistas como um investimento na produtividade feminina. O mesmo ocorre com serviços de cuidados pessoais à disposição das mulheres nos locais de trabalho.

A política de desenvolvimento e retenção de talentos já atrai as melhores candidatas para posições estratégicas antes só ocupadas por homens. As organizações mais sensíveis às mudanças sociais já entenderam que, se lhes for dada a oportunidade, as mulheres podem estabelecer uma bela e rentável relação de equilíbrio. Não se trata de uma guerra de sexos, nem de uma revolução que vá desmerecer as conquistas masculinas.

No âmbito dos negócios, trata-se de um olhar mais atento às qualidades femininas que enriquecem o trabalho e geram lucros. Na visão social, ampliamos a consciência de que somos todos iguais, embora diferentes.

A herança cultural talvez seja o pior obstáculo para a igualdade entre homens e mulheres no mundo. A ignorância e a violência retardam o surgimento de sociedades mais prósperas e justas. No entanto, não podem impedir a evolução. Mesmo que, por enquanto, seja uma evolução conta-gotas.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.