Topo

Um bem público e finito

Rungroj Yongrit/EFE
Imagem: Rungroj Yongrit/EFE
Lucila Cano

24/03/2017 06h00

Sempre que a NASA divulga a descoberta de novos planetas, ou informações mais precisas de alguma expedição em curso, os indícios de vida são associados à provável presença de água.

Os cientistas sonham encontrar planetas iguais ao nosso, mas, talvez, eles não existam. Não, com semelhante riqueza de vida, só possível porque, por aqui ainda temos água.

No entanto, o bem precioso que faculta a vida ao homem e a tudo que o cerca sofre constante ameaça, justamente por quem tanto depende dele. O que o brasileiro pensa do desenvolvimento sustentável é, em tese, bem diferente do que pratica no dia a dia. Evoluímos no sentido de reconhecer a importância da água e de preservá-la dos ataques de seus principais inimigos – o lixo e o desmatamento – mas retrocedemos a cada gesto impensado de desperdício.

Especialistas dizem que o desperdício de água no Brasil é da ordem de 40%, o dobro da média mundial. Respondem por essa estimativa não só as torneiras abertas e os banhos demorados, mas também a má gestão pública, que não dá conta de vazamentos e desvios clandestinos.

A água espelha o que somos

Basta haver uma crise hídrica, cada vez mais frequente em qualquer região do país, e a luta contra o desperdício recai sobre a educação. As criancinhas já estão cansadas de repetir as lições que os adultos não ouvem. Esperar que elas cresçam e, mais conscientes, não repitam os erros de seus familiares, pode nos levar ao caos.

Cerca de 20% da população mundial não têm acesso a água potável. Não estão apenas nos países africanos e asiáticos, distantes de nós. Estão aqui, no Nordeste castigado por secas prolongadas e em outros pontos do país. Quem diria que, um dia, o Rio Piracicaba poderia secar? Quem diria que o rico Vale do Paraíba teria sua paisagem ameaçada pela estiagem, como ocorreu dois anos atrás?

O lixo despejado nos rios, córregos e nascentes deixa marcas por onde passa. Os resíduos químicos de empresas poluidoras causam desastres ambientais desmedidos, como o de Mariana. Haverá um futuro para o Rio Doce e a população que vive às suas margens, em pequenos vilarejos, mas também em grandes cidades de Minas Gerais e Espírito Santo?

As matas ciliares das margens dos rios e dos lugares onde brotam as nascentes são a proteção natural de águas limpas. Jamais poderiam ser arrancadas e, onde isso aconteceu, agricultores devem, com urgência, cuidar do replantio, sob pena de eles serem as primeiras vítimas da falta d’água em suas terras.

A água reflete o que somos. Enquanto cultivamos o desrespeito em todos os níveis, as questões públicas parecem ser dos outros. Onde não há saneamento básico, higiene, e um mínimo de conscientização sobre um bem natural ao qual todos têm direito, as fontes vão secar.

O saneamento é responsabilidade dos governos e cabe a nós, que elegemos tantos para nos representar, cobrar que assumam a responsabilidade e executem as tarefas básicas para que a população tenha água limpa e saúde.

O combate ao desperdício doméstico é desafio para cada um de nós. Não basta você fechar a torneira. É importante que passe a mensagem adiante para as demais pessoas do seu convívio, em casa e no trabalho.

A expectativa do reúso

Por ocasião do Dia Mundial da Água, em 22 de março, a ONU propôs a ampliação de debates sobre o tratamento e reúso das chamadas águas residuais. Embora impróprias para o consumo humano, elas poderiam ser utilizadas para outros fins, como, por exemplo, sistemas de aquecimento e resfriamento.

A coleta de água da chuva também deveria ser incentivada. Embora carregue partículas da poluição atmosférica, a água da chuva pode ser destinada a atividades de limpeza e irrigação.

O tratamento da água residual demanda conhecimento técnico e recursos que, em um país que não investe em saneamento, pode custar mais caro do que se imagina. Há um longo caminho a percorrer em defesa de bem tão precioso.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.