Constituição de 1988 (1) - Contexto histórico e político
Vitor Amorim de Angelo
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
"Essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria [...] O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Viva a vida que ela vai defender e semear!". Foram com essas palavras que o deputado Ulysses Guimarães encerrou os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, da qual era presidente, em 27 de julho de 1988. Estava, assim, aprovada a nossa mais nova Carta Magna.
Há, no entanto, uma controvérsia quanto à Constituição de 1988: para alguns, ela seria nossa sétima constituição; para outros, seria, na verdade, a oitava. Durante todo o Império, o Brasil teve apenas uma constituição: a de 1824. Já sob a República, tivemos as de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. Em 1969, com o falecimento do presidente Artur da Costa e Silva, assumiu a Presidência uma Junta Militar.
Naquele mesmo ano, a Junta promulgou uma emenda constitucional - a chamada Emenda n°.1 - que instituía a Lei de Segurança Nacional, restringindo as liberdades civis, e a Lei de Imprensa, regulamentando a censura oficial. Pelas profundas modificações que trouxe, a Emenda n°.1 é considerada por alguns pesquisadores como sendo um novo texto constitucional. Se aceitarmos essa interpretação, podemos dizer que a Carta Magna de 1988 é mesmo a oitava Constituição brasileira - a sétima em pouco mais de um século de República.
Qual tipo de Assembleia Constituinte?
Em 1985, cumprindo uma das promessas de campanha da Aliança Democrática, chapa pela qual havia sido eleito, o presidente José Sarney deu início aos debates sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, cuja função seria a de elaborar e aprovar o novo texto constitucional.
A principal divergência, na época, deu-se entre os setores que queriam uma eleição exclusiva para escolher os representantes na Assembleia, de um lado, e os que queriam transformar o Congresso Nacional numa Constituinte, de outro.
Os que defendiam a convocação de uma Constituinte exclusiva, desvinculada do Congresso Nacional, argumentavam que os responsáveis pela elaboração da nova Carta Magna teriam mais legitimidade e independência para realizar seus trabalhos se fossem escolhidos estritamente para essa função.
Além do mais, alegavam que transformar os deputados e senadores em parlamentares constituintes dificultaria qualquer mudança substancial, uma vez que os eleitos estariam mais comprometidos com seus próprios mandatos do que com qualquer transformação profunda da estrutura política, econômica e social do país.
Esses setores, contudo, foram derrotados pelo governo, que conseguiu aprovar a transformação do Congresso Nacional a ser eleito em 1986 em Assembleia Constituinte. Aprovada a Carta Magna, os parlamentares voltariam às suas funções normais até o encerramento da legislatura, em 1990, quando seriam realizadas novas eleições.
O funcionamento da Constituinte
A Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 membros, sendo 487 deputados e 72 senadores, foi instalada oficialmente no dia 01 de janeiro de 1987. Esse número é menor que os atuais 513 deputados e 81 senadores porque, na época, o Brasil tinha apenas 22 estados mais o Distrito Federal. Amapá, Roraima e Tocantins foram transformados em estados apenas em 1988.
Ao longo dos trabalhos, a Assembleia Constituinte esteve aberta a propostas de emendas populares. Para tanto, bastaria que as sugestões fossem encaminhadas por intermédio de associações civis e subscritas por, no mínimo, 30 mil assinaturas que atestassem o apoio popular à proposta. Até o encerramento dos trabalhos, a Assembleia Constituinte recebeu mais de 120 propostas de emendas constitucionais nas mais diversas áreas, reunindo cerca de 12 milhões de assinaturas.
Politicamente, o grupo mais forte dentro da Assembleia Constituinte foi o Centro Democrático, popularmente conhecido como Centrão, base de apoio do governo Sarney formada por parlamentares do PMDB, PFL, PDS, PTB e algumas legendas menores.
O Centrão, que representava setores sociais mais conservadores, sendo maioria na Constituinte, conseguiu decidir votações importantes, como a questão da reforma agrária, que manteve a distribuição desigual da terra, e o mandato presidencial, estendido para cinco anos.