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Assembleia Constituinte - Quando é necessário repactuar a Constituição

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Na primeira semana de agosto de 2006, ao receber um grupo de juristas e advogados no Palácio do Planalto, o presidente Lula lançou a proposta de se convocar uma Assembleia Constituinte para fazer reformas na lei maior e nas instituições do país. Basicamente, a ideia surgiu em decorrência da degradação da vida política brasileira, que atingira níveis nunca antes vistos.

É unânime entre advogados e juristas que aquele não era o momento mais adequado para se falar numa Constituinte, uma vez que se estava às vésperas de eleições para presidente da República e governadores de Estado, bem como para senadores e deputados federais. No entanto, o tema certamente merece reflexões e permite rever alguns momentos decisivos da história do Brasil.



Congresso e Assembleia

Quanto às reflexões que o tema provoca, uma é essencial: a Constituição brasileira ora em vigor, promulgada em outubro de 1988, foi elaborada pelo Congresso nacional, que se tornou à época um Congresso Constituinte. Entre este e uma Assembleia Constituinte há uma imensa distância. O Congresso, formado pelos deputados federais e senadores, está inevitavelmente comprometido com o sistema em vigor, pois foi através dele que seus membros se elegeram.

Em função disso, a redação da Carta constitucional do país acaba sujeita a uma série de interesses circunstânciais que poderiam ser evitados. Aliás, por causa disso mesmo, a Constituição de 1988 já previa passar por uma revisão, que aconteceu em outubro de 1993. Além dela, a Carta de 1988 também já sofreu até agora mais de 50 emendas, isto é, alterações. Para se ter um padrão de comparação, a Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, só foi emendada 27 vezes ao longo de 219 anos.

O ideal é exatamente esse: que o texto constitucional seja de tal modo objetivo, previdente e abrangente que possa ir vencendo o tempo, de modo a garantir que as leis e as instituições do país sejam sólidas e estáveis. Levando isso em consideração, uma Assembleia Constituinte leva vantagem sobre o Congresso Constituinte, pois é eleita com a finalidade única de redigir (ou reformar) a Carta Magna do país.


 

Independência e liberdade

Nesse sentido, uma Assembleia conta com maior independência do que o Congresso. Seus membros não são necessariamente políticos, mas qualquer cidadão no gozo de seus direitos, e é possível até excluir os políticos que já disponham de algum mandato de participar dela. Desse modo, os constituintes concentrariam o foco em seu objetivo essencial e, uma vez que ele fosse atingido, voltariam para casa - por assim dizer.

Feita essa reflexão, que tal repassar as sete Constituições que o Brasil teve de sua Independência até hoje? A primeira delas, data de 1824, no início do Império. Dom Pedro 1º convocou uma Assembleia para redigi-la e ela foi instalada em 3 de maio de 1823. Entretanto, como os constituintes começassem a restringir os poderes do imperador, a Assembleia foi fechada por dom Pedro, que impôs ao reino uma Constituição escrita por dez cidadãos de sua absoluta confiança.

Nossa segunda Constituição foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, já na República. Em princípio, ela se baseou nos ideais liberais e democráticos que norteiam a Constituição norte-americana, mas vários deles foram suprimidos em função das pressões das elites latifundiárias que efetivamente detinham o poder no país à época. Essa Carta vigorou durante toda a República velha.



Revolução Constitucionalista

O governo instituído após a Revolução de 1930, chefiado por Getúlio Vargas, prometeu a convocação de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição para o país. No entanto, foi preciso que o Estado de São Paulo se rebelasse contra o Governo Federal, em 1932, para que a Constituinte fosse estabelecida de fato e promulgasse uma Constituição, de caráter democrático, em 16 de julho de 1934.

A Constituição de 1934 vigorou por apenas três anos. Em 1937, Getúlio Vargas deu um golpe de Estado e se tornou ditador. Para tanto, impôs uma nova Carta em 10 de novembro de 1937, que ficou conhecida como a "Polaca", por estar calcada na Constituição autoritária da Polônia de então.

Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota das ditaduras nazi-fascistas, os ideias democráticos ganharam força no Brasil. Getúlio foi deposto e uma nova Assembleia Constituinte foi convocada. Uma nova Constituição, que retomava os princípios da Carta de 1934, foi promulgada em 18 de setembro de 1946.



Autoritarismo e cidadania

O regime militar que se instaurou no Brasil em 1964 evoluiu rapidamente para a vereda ditatorial. Para isso, institucionalizou-se através de uma Constituição outorgada - isto é, imposta - em 15 de março de 1967. Tratava-se de uma Carta autoritária, que visava legitimar ou institucionalizar a ditadura, ao mesmo tempo que lhe dava ares pseudodemocráticos.

Com o fim da ditadura em 1985, chegamos à elaboração da Constituição que, com o grande número de emendas já mencionado, vigora até hoje. Ela valoriza os princípios democráticos e de cidadania. Por isso, foi chamada de "Constituição Cidadã".

Apesar dos vários avanços rumo à democracia que nela estão contidos, porém, o que não lhe faltam também são problemas - e as muitas emendas são prova suficiente disso.