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Ética e intolerância - O fanatismo religioso do ponto de vista da ética

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Em 11 de setembro de 2001, aconteceu o maior atentado terrorista da história: o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. O mundo ficou chocado pelo caráter grandioso e sanguinário do ato, que provocou a morte de cerca de três mil pessoas. Além disso, o atentado terrorista teve diversas consequências para a política internacional. Alguma delas se fazem sentir até hoje, como a invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

Por trás do atentado de 11 de setembro - como daquele de 11 de março de 2004, na Espanha -, encontrava-se o fanatismo religioso. Aliás, o fanatismo religioso, em particular de algumas seitas islâmicas, está constantemente no noticiário dos dias que correm. Há muito tempo o fanatismo tem gerado muitas ações violentas em todo o mundo. Também já provocou diversos crimes e guerras ao longo da história.



O fanatismo religioso

Pode-se definir o fanatismo como uma crença exagerada, uma adesão cega a uma visão de mundo ou doutrina, de tal modo que o fanático identifica sua crença com a verdade absoluta e se sente como o dono da verdade. Pior, considera seu inimigo todos aqueles que não compartilham da sua fé.

Ao fanatismo e à própria atitude autoritária do fanático, a filosofia, a ética e a política contrapõem a tolerância, isto é, a atitude e capacidade de admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes, ou mesmo totalmente opostas às nossas. Quando nenhum cidadão sofre violência, perseguição política ou policial, diminuição ou perda de direitos, ou ainda qualquer tipo de discriminação por causa de suas convicções, é porque a tolerância prevalece nessa sociedade.



Católicos versus protestantes

Historicamente, a noção de tolerância surgiu no devido a conflitos religiosos. No que se refere às religiões, nossa sociedade é muito tolerante hoje, mas isso nem sempre foi assim. Durante os século 16 e 17, a Europa tornou-se o palco de diversas guerras entre católicos e protestantes. Desesperados com esses sangrentos conflitos, desencadeados pela Reforma e a Contra-reforma, os filósofos europeus da segunda metade do século 17, como Baruch Spinoza (1632-1677) e John Locke (1632-1704), procuravam encontrar uma alternativa ao fanatismo religioso. Estabeleceram os fundamentos teóricos para a prática da tolerância, em vez do uso da força bruta contra quem cada igreja considerava herege.

A exposição dessas doutrinas, que defendiam a compreensão mútua e o entendimento entre os cristãos, abriram caminho para que no século seguinte - o chamado século das luzes - ganhasse força a implantação do Estado laico, ou seja, não-religioso, desligado de qualquer igreja. Isso permitiria a existência e convivência, debaixo do mesmo governo, das diversas igrejas e credos. Em caso de problemas, um magistrado civil entraria em ação para evitar que elas não se agredissem ou arrastassem seus seguidores pelos caminhos da violência.



Ambição e poder

No "Tratado Teológico-Político", de 1670, Spinoza percebeu que a luta religiosa não passava de um pretexto que os homens usavam para ocultar suas ambições de poder e de domínio, pois "inclusive os teólogos estão preocupados em saber como extorquir dos Livros Sagrados as suas próprias fantasias e arbitrariedades, corroborando-as com a autoridade divina".

Segundo a argumentação de Spinoza, Deus, na verdade, não tinha nada a ver com aquilo. Todo o mundo é ortodoxo para si mesmo, isto é, se considera o portador da verdadeira fé, o que indispõe qualquer um para com a fé dos outros. Então, é preciso evitar que uma certeza como essa degenere em guerra civil. A verdadeira religião, diz o filósofo, não se prende à riqueza, nem ao domínio do clero, nem muito menos aos massacres.



Separação entre Igreja e Estado

Por sua vez, Locke pode ser considerado o primeiro teórico moderno da separação da Igreja do Estado. Devia-se, disse ele, demarcar por lei, de maneira definitiva, as funções do mundo sacerdotal e as do mundo civil, pois senão, na confusão existente entre o que diz respeito à Igreja e o que se refere à comunidade, seguidamente se mistura a salvação das almas com a segurança da comunidade e do Estado que a representa.

Definindo a comunidade como uma sociedade de homens constituída para a preservação e melhoria dos bens civis (a vida, a liberdade, a saúde, a libertação da dor e a posse de terra, dinheiro e móveis), Locke declara que o magistrado civil (o representante do Estado) deve assegurar e determinar leis uniformes e a posse justa das coisas. Além disso, deve reprimir os violadores e impedir a espoliação dos bens, da liberdade e da vida (como fazia a Inquisição no mundo católico).

Em hipótese nenhuma, escreveu, cabia ao Estado intrometer-se na salvação das almas ou legislar ou prescrever artigos de fé, muito menos fixar e aplicar punições e castigos físicos motivados por tais questões. "Se a essência da religião é a persuasão, não cabe ao Estado assumir tarefas coercitivas. Se cada príncipe acredita ter o seu próprio portão para o céu, como alguém, em seu nome, poderá determinar qual deles é o certo? Que a Igreja cuide das almas e as proteja contra os pecados, e que o Estado preserve os bens e as vidas, afastando os ladrões e os predadores."



Fanatismo no futebol

Consequência das formulações de Locke sobre a tolerância, a separação entre Igreja e Estado tornou-se a regra no mundo de hoje, à exceção de alguns países islâmicos onde predomina o fanatismo religioso. Mas é importante ressaltar que o fanatismo não é uma característica de todos - nem sequer da maioria - dos países islâmicos.

Assim também, é importante esclarecer que o fanatismo não ocorre somente no âmbito religioso. No Brasil, frequentemente, presenciamos manifestações de fanatismo em relação ao futebol. Infelizmente, é comum o confronto violento entre torcidas organizadas, que muitas vezes se tornam verdadeiras batalhas campais - em especial nas ruas das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.