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Carta de Caminha - A "certidão de nascimento" do Brasil

Carta de Caminha é uma das representantes do período literário Quinhentismo; confira - Wikimedia commons
Carta de Caminha é uma das representantes do período literário Quinhentismo; confira Imagem: Wikimedia commons

Oscar D'Ambrosio, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Atualizado em 25/06/2014, às 17h04)

Considerada tanto o primeiro documento da História brasileira como o primeiro texto literário do Brasil, a carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei d. Manuel, em forma de diário, leva ao monarca luso uma narrativa pessoal marcada pela observação do que os europeus chamavam de Novo Mundo.

É possível verificar a expressa preocupação de descrever gestos, corpos e hábitos de alimentação e abrigo dos nativos. Há o desafio de contar como o local foi encontrado e como vivem as pessoas que ali habitam. Trata-se, portanto de um documento com valor histórico, pela descrição de hábitos, e literário, pelo apuro formal e estilístico.

O documento original, intitulado oficialmente Carta a el-rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil, guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal, é constituído por sete folhas de papel manuscritas, cada uma em quatro páginas, num total de 27 páginas de texto e mais uma de endereço.

Primeiro texto escrito no Brasil, foi feito em Porto Seguro, com data de 1 de maio de 1500, e foi levado a Lisboa por Gaspar de Lemos, comandante do navio de mantimentos da frota. O curioso é que só foi descoberto, em 1773, no Arquivo Nacional português, por José Seabra da Silva.

A informação foi publicada, pela primeira vez, no Brasil, pelo padre Manuel Aires de Casal na sua Corografia Brasílica (1817). A consagração do documento ocorreu em 2005, quando ele foi inscrito no Programa Memória do Mundo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (UNESCO).

Entre os principais momentos da carta está o relato do primeiro contato dos portugueses com os índios e a prática inicial do escambo, ou seja, a troca de uma mercadoria por outra num inaugural contato comercial. A presença da árvore batizada de pau-brasil e a Primeira Missa também são comentadas.

O texto é um importante exercício de conhecimento do outro e daquilo que é diferente. Afinal, os índios e sua forma de existir eram elementos novos e o texto de Caminha é um passo que dá início na construção de um entendimento das possibilidades de diálogo que então se instauravam.

Elementos como pessoas, animais, plantas, relevo, vegetação, clima, solo, e produtos da terra são cuidadosamente descritos. O escriba, porém, não se limitou ao detalhamento. Fez ainda  sugestões para o aproveitamento da região. Dois elementos são destacados: o desenvolvimento da agricultura e a cristianização dos índios.

Tudo isso ocorre num contexto em que a dominação portuguesa é considerada fundamental para eliminar as desigualdades evidentes. Isso não evitou momentos de agregação, como a prática conjunta entre portugueses e índios de danças. Mas isso não impede que Caminha deixe de lado o objetivo principal da viagem: a conquista de riquezas (ouro e prata) e a concepção missionária (salvar a alma dos índios pela adoção deles do cristianismo).

Nesse contexto de exploração econômica, existe ainda a exaltação das virtudes da terra e da gente brasileira. Tudo isso numa linguagem clara, simples, objetiva, realista, com certo equilíbrio nas observações, mesmo perante o inusitado das situações, e uma comovente curiosidade e capacidade de maravilhar-se perante o inédito.