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Para terapeuta, repreender aluno por gostar de rock é "absurdo"; pastor concorda parcialmente com diretora

Marcelo, 8, é advertido por diretora de escola de São José do Rio Preto (SP) por gostar de rock pesado  - Arquico pessoal
Marcelo, 8, é advertido por diretora de escola de São José do Rio Preto (SP) por gostar de rock pesado Imagem: Arquico pessoal

Ellen de Lima

Especial para o UOL Educação<BR>Em São José do Rio Preto (SP)

04/08/2011 16h27

A situação do garoto Marcelo Corrêa Carvalho, 8, que foi repreendido pela diretora por gostar de rock pesado e acabou abandonando a escola, virou assunto e ganhou as ruas de São José do Rio Preto (438 km de São Paulo). O caso está em programas de TV e rádio, e profissionais de várias áreas debatem se a diretora agiu certo ou errado.

O menino estava em seu primeiro dia de aula na escola no colégio Ponto Alfa quando foi repreendido pela diretora, Ana Maria Fernandes, por gostar de rock pesado. Ele é fã da música de Iron Maiden e Ozzy Osbourne. Depois da bronca da diretora, Marcelo não voltou mais à escola e deixou de tocar guitarra e violão, instrumentos de que mais gosta e toca desde pequeno.

Para o psicoterapeuta Renato Dias Martino, que também é professor universitário e já teve uma banda de rock, a diretora errou. “O que ela fez foi absurdo”, disse ele ao UOL Notícias. Martino considera que, como educadora, ela precisaria ter cautela, principalmente por ser administradora de um colégio que prega a inclusão.

O terapeuta considera que o rock pesado é uma forma de extravasar temas que são tabu. “O rock é uma forma lúdica de lidar com o perverso. Ela foi incapaz de entender isso”, disse Martino. Para ele, a diretora não tem preparo para a função que ocupa.

“Criança é rebelde mesmo. O fato de a criança ser agressiva não significa que ela não pode mudar. Acontece que professor não gosta de criança assim porque dá trabalho. Tudo aquilo com o qual a gente brinca quando é criança não significa que vai praticar quando adulto.”

A psicóloga cognitiva e especialista em comportamento Irene Araújo Corrêa concorda com o colega. Ela defende que a diretora teria de conversar primeiro com a família em vez de questionar a criança. “A escola falhou”, diz.  Ela também questiona o comportamento da mãe de Marcelo, que levou o caso à imprensa. “Ela expôs a criança, quando poderia ter chegado num consenso com a escola.”

Marcelo foi retirado da sala de aula depois que começou a batucar na carteira como se estivesse tocando bateria. A diretora Ana Maria Fernandes questionou seu comportamento, e ao descobrir que ele é fã de rock pesado o alertou que todas as letras das músicas que ele ouve fazem referência ao demônio.

“Eu quis despertar nele uma reflexão para a realidade. Esse é meu trabalho, e as letras que ele ouve fazem alusão à besta, ao demônio. Não tem mensagem positiva”, disse ela ao UOL Notícias.

A educadora Ada Maria de Assis, dona de duas unidades de ensino em inglês para crianças e adolescentes, considera que a escola agiu errado. “Cabe à família decidir as influências para a criança. Hoje há inversão de papéis. A mãe é quem deve educar nesse sentido, não a escola”.

A educadora disse acreditar que a diretora teve uma atitude conservadora, parecida com a adotada por frequentadores de igrejas evangélicas. “A música não interfere no comportamento. Não há nenhum problema em gostar de heavy metal. A agressividade tem outras bases para surgir”, afirmou.

Letras podem ser maléficas, diz pastor

Nara Corrêa Carvalho, 26, mãe de Marcelo, disse que ele voltou para casa apavorado com o que viu na sala da diretora. Segundo Nara, Marcelo contou que a diretora lhe mostrou imagens de demônios e disse que os roqueiros fazem rituais satânicos. “Ela disse que eles sacrificam animais, cortam as cabeças e que têm pacto com o demônio. Ele ficou apavorado.”

O pastor evangélico Tiago Seilert, da Igreja Luterana no Brasil, afirmou concordar parcialmente com a decisão da diretora do colégio Alfa. “Realmente existem letras malignas que influenciam gerações. O que ela disse tem fundamento”, afimou ele.

Porém, o pastor disse acreditar que a diretora exagerou na dose de realidade para a criança. “Eu acho que o estilo musical não é maléfico, mas as letras podem ser”. Para ele, a diretora errou ao passar por cima dos pais. “Ela exagerou.”

A família do garoto se mudou para São José do Rio Preto há 15 dias. Marcelo é fã dos Beatles e do The Who desde os 2 anos, mas hoje prefere Iran Maiden e Ozzy Osbourne. É um garoto considerado superdotado.

Depois do episódio, Marcelo fica em casa, enquanto a mãe procura uma nova instituição de ensino para o filho. A família vai processar a escola. O caso está protocolado no Conselho Tutelar Sul de São José do Rio Preto, que deve apresentar a denúncia ao Ministério Público da Educação.

“Essa pessoa tem que entender que as crenças dela não podem interferir na educação das crianças”, disse Nara, mãe de Marcelo. A diretora Ana Fernandes informou ao UOL Notícias que não tem religião, é uma pessoa cristã e lê apenas a Bíblia.