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UFMG e estudantes brigam por imóvel em área nobre de Belo Horizonte

Rayder Bragon

Do UOL, em Belo Horizonte

01/04/2014 18h43

Um prédio de dois andares em área uma nobre do Bairro Santo Agostinho, localizado na região centro-sul de Belo Horizonte, virou objetivo de disputa entre estudantes e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). No local, vivem hoje 25 pessoas, a maioria alunos da universidade.

De um lado, a Associação Casa do Estudante, entidade administradora do local, diz que a edificação foi adquirida por um grupo de estudantes em um leilão realizado pela própria universidade, em 1961, sendo que o local passou então a ser moradia autônoma de estudantes de baixa renda com o nome de “Movimento de Fundação da Casa do Estudante de Minas Gerais (Mofuce)”.

O problema é que o movimento perdeu a legalidade durante a Ditadura Militar e o imóvel acabou novamente das mãos da universidade.

A UFMG diz ser “legítima proprietária e possuidora do imóvel”, afirmando ter como prova certidão do 2º Oficio de Registro de Imóveis de Belo Horizonte. Ainda conforme a universidade, a associação e “terceiros desconhecidos” ocupam a construção “sem o consentimento da autora e carecendo de qualquer instrumento jurídico que legitime tal posse”.

A mais recente atualização do caso, cuja ação foi feita pela universidade em setembro do ano passado, veio nesta segunda-feira (31) em razão de um posicionamento do Ministério Público Federal (MPF), que se mostrou contrário ao pleito da instituição de ensino por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.

Para o MPF, “se forem expulsos, eles (estudantes) ficarão sem lugar para morar e serão obrigados a interromper os estudos, o que, para o órgão, viola os direitos constitucionais à educação integral e à moradia”.

Ainda conforme a entidade, uma das alegações dadas pela universidade foi que vizinhos estariam reclamando do barulho provocado pelos moradores da casa, que promoveriam “festas, som alto e inúmeras confusões no local”, além de uma suposta resistência deles em permitir a entrada de integrantes da Defesa Civil municipal para uma vistoria nas condições do imóvel.

No entanto, o MPF alega que a universidade “sempre aceitou a existência da Casa do Estudante como moradia”, como o órgão diz ter verificado em uma ata do Conselho Universitário, datada de 1993 e na qual se discutiu o sistema de moradia universitária.

No documento teria sido registrado que a universidade possuía “um sistema de moradia de cerca de 105 estudantes no “Borges da Costa” e mais 30 no Mofuce, perfazendo 135 residentes”, de acordo com o MPF.

“Se a UFMG não reconhecia expressamente o Mofuce, ao menos aceitava a sua existência, que lhe convinha por suprir as falhas de sua política de moradia universitária”, trouxe nota da entidade.

Conforme o procurador Edmundo Antônio Dias, “essa situação gerou a expectativa legítima, por parte dos estudantes, quanto à concordância, por parte da universidade, da utilização da casa como moradia estudantil, de modo a não privá-los desse direito. Assim, o pretendido desalojamento violaria os princípios da confiança legítima e da boa-fé objetiva”.

Histórico

O órgão diz ter reconhecido que a entidade estudantil adquiriu o terreno da UFMG em leilão ocorrido em maio de 1961. Porém, em 1967, com a edição do Decreto-Lei 228, em plena Ditadura, houve a restrição das entidades estudantis ao âmbito dos diretórios acadêmicos de cada faculdade ou dos diretórios centrais de cada universidade “sob rígida fiscalização das diretorias ou das reitorias”.

O MPF traz que, durante o regime militar, o Mofuce se viu obrigado a doar a propriedade, “quando aumentou a perseguição política ao movimento estudantil, colocando-o sob controle e regulamentação das universidades, com a extinção das entidades estudantis autônomas como era o Mofuce”.

“A dissolução judicial do Mofuce ocorreu em 1975. Dois anos antes, em 1973, diante da iminente dissolução, a entidade doou a Casa do Estudante ao Projeto Rondon. Oito anos depois, em 1981, o Projeto Rondon doou o imóvel à UFMG, que ficou vago e sem destinação até 1985, quando a Associação Casa do Estudante, sucessora do Mofuce, ocupou o imóvel destinando-o à moradia universitária”, trouxe texto do MPF.

Para o MPF, os dois atos de doação são “questionáveis”, porque “não fosse a perseguição política sofrida durante a ditadura militar, representada pela edição do Decreto 228/67 e pela consequente sentença de dissolução judicial, o Mofuce não teria sido extinto, e seu patrimônio não teria sido dilapidado”.

O UOL entrou em contato com a assessoria da UFMG. O setor informou que a universidade ainda não tinha sido notificada de maneira oficial sobre a posição do MPF e, portanto, não iria se pronunciar por enquanto.

“Parar os estudos”

Na visita quer fez ao imóvel, o UOL encontrou no local a jovem Aline Silva, 26, que mora na casa com a filha de um ano.

Segundo ela, que afirmou estudar no Colégio Técnico (Coltec), mantido pela UFMG, caso tenha que sair do imóvel, terá que parar de estudar e retornar para Cataguases (315 km de Belo Horizonte), onde moram os familiares.

“Se eu sair daqui, volto para a casa dos meus pais. Com certeza, vou ter de parar os estudos”, disse.

A jovem informou que a casa é gerida com recursos próprios dos moradores, que não têm ajuda financeira de nenhum órgão público. Apesar de a Associação Casa dos Estudantes ser a responsável pela administração do local, Aline informou que as decisões são tomadas em reuniões constantes entre os moradores do imóvel.

A moça, que afirmou fazer parte da diretoria da associação, disse que há um estatuto com regras a serem seguidas pelos ocupantes dos quartos e negou a existência de festas barulhentas e a versão de que o imóvel esteja deteriorado.

Aline afirmou que seu sustento vem de trabalhos artesanais.

Ela não deixou ser fotografada por receio de “represálias”, mas sem citar quem poderia agir dessa maneira.