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Prefeitura alega erro e cancela redução da merenda em Porto Alegre

Marlene Bergamo/Folhapress
Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL em Porto Alegre

06/03/2017 16h25Atualizada em 08/03/2017 08h14

A prefeitura de Porto Alegre anunciou na tarde desta segunda-feira (6) que o memorando determinando a redução nos gêneros alimentícios da merenda escolar da rede municipal de ensino “é equivocado” e não representa a posição nem da Secretaria Municipal de Educação e nem do governo.

O memorando foi enviado na sexta-feira (3) às direções das 99 escolas municipais pela coordenadora de nutrição da secretaria, Cíntia Silva dos Santos. O documento anunciava uma inédita “redução de gêneros” alimentícios oferecidos na merenda escolar aos alunos da rede pública, além de “controle da alimentação de adultos” [professores e funcionários de escolas]. A medida atingiria 45 mil alunos da rede própria e outros 18 mil das 226 escolas conveniadas.

Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, o envio do documento não foi autorizado pela secretaria. A profissional responsável pelo texto deverá responder a processo administrativo, já que os motivos do envio do memorando, “nos termos em que foi redigido”, serão investigados pela secretaria. Em nota, a prefeitura e a secretaria “reiteram que não há e não haverá diminuição da alimentação dos estudantes por falta de recursos”.

Além da redução das quantidades de alimentação, o memorando informava que não seria mais permitida a repetição da carne do dia pelos alunos – uma prática comum nas escolas municipais, a maioria delas localizadas em comunidades periféricas onde a merenda é um importante reforço alimentar das crianças em idade escolar. A determinação causou surpresa e indignação na rede pública de ensino de Porto Alegre.

“Neste mês, fizemos algumas alterações nas quantidades de carnes que chegarão às escolas. Foram considerados como critérios: consumo per capita (aluno) e número máximo de refeições/dia realizadas no mês de março de 2016. Informamos que a necessidade de proteína para o período é suficiente com uma porção de carne ou ovos. Não é autorizada a repetição de carnes, nem para alunos, nem para adultos”, explicita o documento.

Em outro trecho, o memorando pede que os diretores observem a aplicação das novas regras para evitar “constrangimentos” entre os profissionais. “Pedimos que as direções de escola, junto aos técnicos de nutrição, dialoguem com seus servidores/funcionários, deixando bem esclarecido (sic) as restrições e liberações quanto a esse processo do ato de alimentar-se na escola, para evitar futuros e possíveis constrangimentos”.

O secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, confirmou as mudanças, mas explicou que o memorando não havia passado pela sua aprovação. “Não teve a minha autorização, o que é um erro”, disse. No final da manhã, entretanto, foi oficializada a anulação do ato.

A nutricionista responsável pelo documento disse que o conteúdo do memorando seguiu padrões normais de conduta do órgão nos inícios de ano letivo, em relação a desperdícios e compras de insumos, e que seus efeitos foram “mal compreendidos”. Cíntia Silva dos Santos disse também que o teor do documento era do conhecimento do diretor-administrativo da secretaria, Júlio César dos Passos.   

A secretaria vem alterando  desde o início de fevereiro os cardápios semanais das escolas de educação infantil (entre quatro anos e cinco anos e 11 meses de idade), que já haviam retomado as atividades. A justificativa, então, era para problemas de entrega por parte de fornecedores. Em pelo menos um dia da semana, conforme apurou a reportagem do UOL, não está sendo servido qualquer tipo de carne aos usuários da rede. 

Fornecimento está reduzido, diz associação

A coordenadora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Sínthia Mayer, diz que a rede de ensino foi pega de surpresa com o memorando. Segundo ela, a redução no fornecimento de gêneros se acentuou no final do ano passado. “Vem diminuindo e atrasando [a entrega]. Se a prefeitura precisa reduzir custos, tudo bem. Mas à custa da alimentação dos alunos? Isso é inaceitável”, disse a dirigente. A Atempa anunciou que irá acompanhar a qualidade das refeições para estudar o cumprimento das diretrizes do PNAE e, eventualmente, acionar a prefeitura na Justiça.

Na semana passada, um decreto que altera as diretrizes de organização da rotina escolar já havia provocado revolta entre os docentes do município. Os professores, segundo a nova norma, não poderão mais acompanhar a refeição dos alunos, como faziam desde 2004, e nem computar esse período como hora-aula.

Segundo o secretário de Educação, a avaliação do órgão é de que o horário escolar estava excessivamente “entremeado” com outras atividades. “O que fizemos foi organizar o horário escolar de modo que cada coisa esteja em seu tempo”, disse Brito. Os professores questionam o decreto e dizem que vão descumprir a determinação. “As duas medidas, combinadas, vão tumultuar ainda mais o horário das refeições”, explicou Sínthia.

Escola tem briga na hora do almoço

Na Escola Municipal de Educação Fundamental Afonso Guerreiro Lima, no bairro Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, o horário de almoço é marcado por agressões mútuas entre alunos das séries iniciais, até dez anos de idade, e das séries finais, cujos alunos podem ter até 18 anos. “Se com os professores [os alunos] já trocam socos na hora da refeição, imagina sem”, afirmou a técnica de nutrição Patrícia Guerreiro Lima.

Localizada numa área conflagrada pelo tráfico, na Parada 12 da Lomba do Pinheiro, a escola tem registros frequentes de alunos armados com facas ou até mesmo armas e fogo de pequeno calibre. Serve entre 350 e 500 almoços por dia, além da janta para os alunos do turno integral e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Não sei como os alunos vão se comportar [com relação à alteração de cardápio]. Tenho receio de uma reação violenta”, disse Patrícia.

Na rede municipal de Porto Alegre, a média por refeição/aluno do ensino fundamental foi de R$ 1,07 no ano passado – R$ 0,30 bancados pelo PNAE e R$ 0,77 custeados pela prefeitura. Conforme a Secretaria Municipal da Educação (Smed), os valores não foram alterados para o exercício letivo de 2017.