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Investigada por fraude na UFPR é ovacionada em posse como vice-reitora

08.mar.2017 - Graciela Inês Bolzón de Muniz toma posse como vice-reitora da UFPR - Marcos Solivan/Sucom/Divulgação
08.mar.2017 - Graciela Inês Bolzón de Muniz toma posse como vice-reitora da UFPR Imagem: Marcos Solivan/Sucom/Divulgação

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

08/03/2017 20h11Atualizada em 09/03/2017 09h26

Aplaudida de pé por cerca de 500 pessoas em diversas oportunidades, tomou posse nesta quarta-feira (8) a vice-reitora da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Graciela Inês Bolzón de Muniz. Professora-titular do departamento de Engenharia Florestal e coordenadora do programa de Bioenergia da instituição, ela é investigada pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União por ter assinado 222 ordens de pagamento de bolsas e auxílios-pesquisa considerados fraudulentos entre 2013 e 2016 --à época, era diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico.

Ao todo, o esquema, que a PF suspeita ser comandado por duas servidoras de carreira da pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) desviou R$ 7,5 milhões. Os 30 beneficiários e as duas suspeitas, até agora, não indicaram em depoimentos a participação de Graciela ou de outros professores levados a depor. 

Em acórdão de decisão tomada no último dia 22, o TCU determinou que Graciela e outros professores e servidores da UFPR tivessem bens bloqueados, preventivamente, por um ano. No caso da atual vice-reitora, a soma alcança R$ 6,9 milhões.

"Quero agradecer a todos os funcionários da PRPPG, [pedir para] que se mantenham firmes e unidos como sempre, para atravessar esse momento crítico. Porque o que não mata fortalece", disse Graciela, ao final de seu discurso na solenidade de posse, sendo ovacionada.

Desde o início, o evento --cuja plateia foi composta, majoritariamente, por professores e servidores da UFPR, além de alunos da instituição -- teve ares de afirmação e apoio a Graciela e à Universidade. A vice-reitora foi aplaudida, demoradamente, por cinco vezes. Em três delas, a plateia se levantou para ovacioná-la. 

Uma das séries de aplausos veio após a vice-reitora deixar nas entrelinhas críticas à imprensa, que tem dado destaque à investigação da fraude. "Quero homenagear o jornalismo sério, ético e comprometido com a verdade e propositivo", falou. 

Se havia dúvidas quanto à intenção da universidade de usar o evento para desvincular os problemas revelados pela PF de seu corpo acadêmico, elas se dissiparam quando o reitor Ricardo Marcelo Fonseca --que não é investigado na operação Research-- falou no encerramento.

"Tomo esse gesto generoso [com a vice-reitora] como uma homenagem à nossa instituição, de 104 anos, que como qualquer instituição, passa por problemas. A nossa tem dever de resolver os seus problemas", discursou.

Quem é

Graciela Bolzón é argentina, nascida em Santiago del Estero, noroeste do país. "Sou filha de imigrantes italianos. Com eles, aprendi a dedicação ao trabalho, a honestidade, a bondade, a austeridade e o estudo. Estudei em escola de freiras, fui homenageada como uma das melhores alunas e nunca tive uma falta sequer durante toda a minha formação acadêmica", falou, com forte sotaque espanhol --apesar de viver no Brasil desde os anos 1980-- e a voz, trêmula, transparecendo emoção.

O currículo de Graciela no sistema Lattes informa que ela é graduada em Engenharia Florestal pela Universidade Nacional de Santiago del Estero. Dali, veio a Curitiba para mestrado (1986) e doutorado (1993) na UFPR. Por fim, fez pós-doutorado na área na Espanha, via ensino a distância.

É professora-titular da UFPR desde 1994. Como pesquisadora, atua em áreas como desenvolvimento de tecnologia e inovação de novos produtos madeireiros e não madeireiros, e faz pesquisas com carvão vegetal, biomateriais, resíduos e bioenergia. Ela também informa, na plataforma Lattes, que participa de conselhos científicos de revistas nacionais como internacionais e de comitês de entidades como Capes e Finep --ambas financiadoras de pesquisas acadêmicas.

"Como coordenadora geral de pesquisa, entre 2008 e 2016, em parceria com pesquisadores, participei de projetos em editais públicos que captaram mais de R$ 70 milhões para infraestrutura de laboratórios para atingir excelência internacional, sempre com transparência e muita correção. A UFPR não entrou na minha vida por acaso. É objeto de minha apaixonada dedicação por 24 anos. Quero, aqui, reafirmar minha lealdade pessoal e institucional", falou Graciela, no discurso.

Nos corredores da universidade, ela é tida como pesquisadora e servidora séria. A condução dela para depor à Polícia Federal, quando foi deflagrada a operação que investiga a fraude nas bolsas, detonou um movimento de reação na UFPR. Um abaixo-assinado em apoio à professora na internet já coletou 445 assinaturas, muitas delas acompanhadas de depoimentos em favor de Graciela.

Ex-reitor vê "quadrilha" na UFPR e "violência" em decisão do TCU

Não foi apenas a condução da vice-reitora que causou revolta na UFPR. A prisão da servidora Conceição Abadia de Abreu Mendonça, durante anos responsável pela administração financeira da PRPPG, também pegou de surpresa professores e servidores da universidade.

"Ela me parecia corretíssima", disse ao UOL uma chefe de departamento da instituição, que pediu para não ser identificada. "Pedia correções quando havia as menores lacunas em algum documento."

Impressão corroborada pelo ex-reitor Zaki Akel Sobrinho, que comandou a UFPR entre 2008 e 2016. "Conceição tinha décadas de bons serviços prestados. Todos os pró-reitores que passaram pela PRPPG tinham convicção de que ela era absolutamente séria, honesta, competente. [A fraude] surpreendeu a todos na UFPR. Pergunte a qualquer pesquisador qual era a imagem da Conceição há três meses, antes de estourar esse escândalo. Era uma servidora exemplar", disse.

Akel, que depôs à PF e foi chamado a se explicar pelo TCU, vê abuso de confiança de Conceição e Tânia Marcia Catapan, outra servidora presa também pela suspeita de participar do esquema. "A Conceição, que era a operadora do esquema, praticou abuso de confiança. Ela fraudou o sistema [de pagamentos]. É muito claro que isso é uma quadrilha que se instalou na Universidade, saqueou os cofres públicos, deve ser responsabilizada", falou, após a cerimônia de posse da vice-reitora. 

Ele defendeu Graciela e outros professores e servidores colocados na lista de suspeitos pela PF. "Pagamos mais de 2 mil benefícios [de bolsa e auxílio a pesquisadores] mensalmente, o volume de papéis que um pró-reitor assina é imenso, e havia confiança nas pessoas [responsáveis por preparar os processos]", falou. 

Akel também criticou a decisão do TCU de bloquear bens dos suspeitos, que classificou de "violência". "Acho uma medida inadequada. Essas pessoas precisariam [antes] ser intimadas a depor, como eu fui."