Aparelho usado em fraudes no Enem é difícil de detectar e custa a partir de R$ 160
Por R$ 160, é possível comprar legalmente pela internet o chamado ponto eletrônico, aparelho de difícil detecção encontrado pela polícia em tentativas frustradas de fraudar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O Enem ocorre neste domingo (5) e no próximo (12).
Os preços do aparelho variam entre R$ 160 e R$ 2.000, dependendo das características técnicas. Ele não ilegal e é usado, por exemplo, em programas de televisão. Porém, quando associado à ação de uma quadrilha de fraudadores, pode ser entendido como ferramenta que facilitou um crime. Ou seja, possuir um ponto eletrônico não é crime, mas tentar fraudar o Enem é, com pena de até 12 anos de prisão.
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Trata-se de um pequeno aparelho colocado no ouvido do usuário que recebe sinais por meio de redes de celular ou wi-fi e os transforma em áudio. Quem está em volta do usuário não consegue ouvir as mensagens de voz.
Antes, somente órgãos do governo tinham acesso a estes equipamentos, e no mercado negro ele era muito caro. Atualmente, qualquer pessoa pode adquirir equipamentos sofisticados via internet por preços bem acessíveis.
Josias Guedes, analista da Smart Hunter, especializada em contrainteligência
Guerra Fria impulsionou tecnologia
Esse tipo de aparelho surgiu a partir de tecnologias de espionagem e comunicação a distância desenvolvidas na década de 1940, segundo Guedes.
"Esses equipamentos evoluíram muito durante a Guerra Fria. As ferramentas de contramedida também evoluíram, mas não na mesma velocidade", afirmou. As ferramentas de contramedida são outros aparelhos eletrônicos usados para detectar os equipamentos de espionagem.
Os pontos eletrônicos foram usados por quadrilhas que tentaram realizar fraudes em ao menos três edições do Enem, a mais recente delas no ano passado. Em 2016, a operação Embuste, da Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha de Minas Gerais que tentava beneficiar candidatos a faculdades de medicina.
Os criminosos enviavam alunos experientes ou professores para fazer a prova, chamados de "pilotos". Eles terminavam o exame rapidamente e passavam as respostas para a quadrilha. Os bandidos, então, retransmitiam os resultados para candidatos envolvidos com a fraude por meio dos pontos eletrônicos.
'Detector' em alguns locais de prova
Neste ano, o Ministério da Educação testará pela primeira vez em alguns locais de prova um aparelho de contrainteligência desenvolvido por uma empresa privada. Segundo a empresa responsável, ele consegue captar o sinal de celular ou wi-fi emitido e recebido pelo ponto eletrônico, mesmo que esteja bem escondido. O Ministério da Educação não divulga quantos aparelhos serão usados nem onde a fiscalização ocorrerá.
Segundo Guedes, essa é uma estratégia de dissuasão, pois a presença do aparelho aumenta bastante a probabilidade de descobrir fraudadores. Porém, segundo ele, provavelmente não seria viável economicamente colocar esses aparelhos em todos os locais de prova.
Guedes diz também que o aparelho de detecção não é infalível, porque, em áreas onde há emissão de muitos sinais eletrônicos, o aparelho pode ser confundido.
Os detectores de metais --que serão instalados nos banheiros dos locais de prova-- são ainda menos eficientes contra o ponto eletrônico, porque o ponto pode ser escondido, por exemplo, nos óculos, no brinco ou no relógio de pulso. Assim, o objeto seria detectado, mas não se desconfiaria de que ele é, na verdade, um ponto eletrônico.
Alguns pontos eletrônicos poderiam até mesmo ser implantados no corpo humano, em casos extremos.
Fiscal bem treinado percebe fraude
Como, então, detectar os fraudadores? Segundo Guedes, um operador de aparelho de contrainteligência ou mesmo um fiscal de prova bem treinado é capaz de perceber quando um candidato está usando o ponto eletrônico por meio de seu comportamento. O nervosismo e certos sinais --que Guedes prefere não revelar-- podem apontar quem está envolvido em uma fraude.
Segundo ele, em paralelo, o trabalho de inteligência policial deve ser usado para detectar não necessariamente o candidato que usa o ponto eletrônico, mas a quadrilha que está do lado de fora do local de prova, dando suporte a ele.
Além disso, o especialista diz que é preciso deixar claro aos estudantes as consequências de se envolver em um esquema de fraude.
Comprar vaga é crime, defende juíza
A juíza Ivana David, da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), afirma que aquele que compra uma vaga em um concurso ou vestibular age de maneira tão criminosa quanto aquele que vende.
Caso seja pego, o estudante pode ficar preso entre 10 e 12 anos, segundo ela. "A gente tem casos em que a pessoa comprou [apoio da quadrilha] dando uma casa de R$ 850 mil. Então, no meu olhar, quem compra vaga é criminoso tanto quanto quem vende."
De acordo com ela, o estudante pode ser enquadrado no crime de pertencer a uma organização criminosa no sentido da Lei 12.850, a mesma da Operação Lava Jato. "Só que com outros fins. Tem lavagem de dinheiro, tem falsidade ideológica; se é um concurso público, tem corrupção ativa, corrupção passiva."
Ao longo de sua carreira, a juíza afirma já ter visto compra de respostas de provas de concursos públicos em que o candidato paga até 10 vezes o valor de um salário que ele iria ganhar. "Por exemplo: delegado em São Paulo, R$ 5.000 de salário. Ele paga R$ 50 mil. Vai ser fiscal de Fazenda: R$ 15 mil [de salário]. Ele vai pagar R$ 150 mil", disse.
"Comprar o ponto [eletrônico ou o apoio da quadrilha que fornece o ponto eletrônico] é só um dos quesitos e uma das circunstâncias que vai fazer com que você mantenha a comunicação. Agora, passar a prova, ter consciência das perguntas e respostas, ter conhecimento da prova antes dos outros, ou ter as respostas antes dos outros, é uma conduta criminal tanto quanto de quem vendeu. Quem aceita a resposta de um Enem pratica crime tanto quanto aquele que dá as respostas", diz a juíza.
Ao invés de ver os colegas dele, da mesma idade, que estão fazendo cursinho, que estão se dedicando, deixando de ir na balada, deixando de viajar para estudar, ele não faz isso. Ele não estuda, ele leva a vida, é bem-aventurado, porque uma vaga numa faculdade de medicina, por exemplo, custa R$ 850 mil, não é ele quem paga, é o pai ou a mãe. Então, esse rapaz ou moça que compra essa vaga tem plena consciência da gravidade do crime.
Ivana David, juíza da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP
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