Economista que chamou docentes de "manipuladores" assume comando do Enem
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nomeou o economista Murilo Resende Ferreira para assumir a coordenação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A nomeação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União nesta quarta-feira (16).
Ferreira será diretor de avaliação da educação básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). O posto pertencia desde novembro de 2016 à pesquisadora Luana Bergmann Soares.
Doutor em economia pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Ferreira foi aluno do curso online de filosofia de Olavo de Carvalho, figura conhecida da ala conservadora e uma das pessoas de influência no governo Bolsonaro. Em seu blog, o economista descreveu a si mesmo como "estudioso do marxismo e do movimento revolucionário desde 2003".
Seu currículo não aponta nenhuma experiência na área de educação básica. Ele foi professor visitante na UFG (Universidade Federal de Goiás) de 2015 a 2016. Atualmente, dá aulas na Escola Superior Associada de Goiânia, também como professor visitante, lecionando temas relacionados a micro e macroeconomia.
Em 2016, quando participou de uma audiência pública do MPF-GO (Ministério Público Federal de Goiás) sobre "doutrinação político-partidária no sistema de ensino", classificou os professores brasileiros como "manipuladores" e afirmou que a "ideologia de gênero" é usada pelos docentes que não querem "estudar de verdade".
"Então ideologia de gênero, que hoje é o grande cavalo de batalha desses manipuladores, sim, gente que não quer estudar de verdade, que sequer conhece a literatura, sequer conhece a filosofia", disse.
Controvérsias e "doutrinação"
A indicação do nome de Ferreira para a diretoria responsável pelo Enem gerou controvérsias. No dia 5 de janeiro, Bolsonaro usou o Twitter para defender o economista.
"Murilo Resende, o novo coordenador do Enem é doutor em economia pela FGV e seus estudos deixam claro a priorização do ensino ignorando a atual promoção da "lacração", ou seja, enfoque na medição da formação acadêmica e não somente o quanto ele foi doutrinado em salas de aula", escreveu.
Para Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a nomeação de Ferreira demonstra compromisso com uma visão de que o Enem seria um instrumento de "doutrinação".
"Na diretoria de avaliação da educação básica, ele cuidará de todas as avaliações de larga escala. Em geral, no Brasil, esses instrumentos já são insatisfatórios em termos pedagógicos. Há anos eles têm falhas. Pior será se eles ficarem submetidos a instrumentos da guerra cultural bolsonarista", pontuou.
A abordagem de Ferreira se assemelha à do ministro da Educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez. Em seu discurso de posse, Vélez criticou a "ideologia de gênero" e o "marxismo cultural" --que, segundo ele, está "hoje presente em instituições de educação básica e superior". "Trata-se de uma ideologia materialista, alheia aos nossos mais caros valores de patriotismo e de visão religiosa do mundo", disse.
Funcionários do Inep estão assustados com as mudanças na pasta e preocupados com eventuais problemas na execução do Enem e de outras avaliações. Por medo de represálias, os servidores de carreira estão evitando comentar o assunto.
A oficialização de Ferreira para a coordenação do Enem acontece antes mesmo da nomeação do novo presidente do Inep -posto que está vago desde a última segunda-feira (14), quando Maria Inês Fini foi exonerada.
Apesar de o engenheiro Marcus Vinícius Rodrigues ser cotado para o posto, há rumores de que a demora para publicação da nomeação no Diário Oficial demonstre que a equipe de Bolsonaro esteja com dificuldades em oficializar um nome.
A indefinição também é vista como um possível sinal de que o novo presidente do Inep, seja quem for, não terá força política dentro do MEC. Na prática, isso significaria que Ferreira passaria a responder diretamente ao ministro Vélez.
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