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MPF-BA contesta qualidade de escolas militarizadas e cita direitos violados

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

30/07/2019 04h01

Em documento divulgado ontem, o Ministério Público Federal (MPF) na Bahia questionou a qualidade do ensino de escolas militarizadas no estado e apontou uma série de violações de direitos de crianças e adolescentes nesses locais - que proíbem, por exemplo, a escolha do próprio corte de cabelo ou a participação em manifestações políticas.

O modelo é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que quer um colégio militar em cada estado até 2020 e autorizou, semana passada, que policiais militares e bombeiros da ativa trabalhem nessas instituições em cargos de gestão.

Assinado pelo procurador regional dos direitos do cidadão Gabriel Pimenta Alves, o documento pede que o Comando da Polícia Militar do Estado da Bahia não firme mais acordos para introduzir o modelo militar em escolas municipais do estado.

Ano passado, a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar e a União dos Municípios da Bahia firmaram um acordo de cooperação técnica para "aplicar a metodologia dos Colégios da Polícia Militar (CPT's) em escolas municipais do estado".

O tratado permite, por exemplo, que a PM baiana indique policiais da reserva ou reformados para ocupar posições como diretor militar, diretor de disciplinas e tutor, com salários de R$ 2.000 a R$ 3.000. O termo, no entanto, conforme exposto pelo MPF, viola a Constituição em seu artigo 206, que afirma que os profissionais da educação da rede pública só podem ingressar na carreira por meio de concurso público.

O MPF também pede que as instituições de ensino municipais que já adotam o modelo parem de "violar ou restringir (...) a liberdade de expressão, intimidade e e vida privada dos alunos".

Qualidade em xeque

Poupadas dos cortes que afetam a educação e elogiadas pelo presidente Bolsonaro, as escolas militares são conhecidas pelas restrições impostas aos estudantes - veja mais no fim do texto.

Mas, para o Ministério Público Federal, não há garantia de que esse modelo se reflita em ensino de qualidade:

"Segundo dados do Inep sobre as notas do Enem de 2015, último ano em que as médias das escolas foram divulgadas, das 20 escolas públicas mais bem avaliadas na Bahia, 17 foram unidades do Instituto Federal da Bahia ou do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IF Baiano, instituições públicas de ensino não militarizadas".

O documento também diz que "não se tem conhecimento de estudo aprofundado que embasasse a conclusão que a melhor avaliação dos alunos dos Colégios da Polícia Militar, em comparação com a média dos colégios públicos, decorre da citada 'metodologia e filosofia' dos colégios militares".

MPF aponta 'violações de direitos'

O MPF elenca no documento exemplos de violação de direitos que as escolas municipais baianas que aderiram ao sistema militar estariam cometendo contra crianças e adolescentes.

No regimento de uma das escolas, em Santa Cruz de Cabrália, os meninos são obrigados a cortar o cabelo assim: "máquina 2 para as laterais e máquina 3 ou correspondente em tesouro para parte superior da da cabeça, não sendo permitido o uso de topete ou franja (...) Na nuca, o cabelo não poderá ser acabado em linha reta ou de forma arredondada. As costeletas deverão ter o comprimento até a altura corresponde à metade do pavilhão auricular."

O procurador menciona tratados internacionais assinados pelo Brasil, além de entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estariam sendo violados com as práticas militares nas escolas da Bahia.

O documento cita ainda regras impostas a professores destas escolas, como:

  • Não se colocar em situações cômicas;
  • Ter sempre o uniforme/e ou a roupa limpas e bem passadas;
  • Usar trajes adequados para cada ocasião;
  • Para as professoras: não usar roupas decotadas, saia curta, roupas transparentes, camisetas de times, chinelos ou rasteirinhas, piercings ou tatuagens de qualquer tipo à amostra, acessórios extravagantes (brincos, pulseiras, etc), maquiagem em excesso.
  • Usar os cabelos, presos em coques com o uso de redinha ou "rabo-de-cavalo".
  • Apresentar-se sempre barbeado, com o cabelo cortado e penteado;

Recomendações

Após analisar os regulamentos, o procurador escreveu que "a imposição, pelo Estado, de padrão estético uniforme aos alunos e alunas, quanto ao tipo de corte de cabelo, roupas, maquiagem e outros adereços possui impacto negativo desproporcional em indivíduos de grupos minoritários, marginalizados ou alvo de preconceito, que se veem impedidos de manifestar as características de suas personalidades e culturas diferenciadas, especialmente quanto às identidades étnico-raciais, religiosas e de gênero, em grave violação aos princípios dignidade humana e da igualdade".

O MPF pede ainda que as escolas "se abstenham, imediatamente" de fiscalizar e proibir comportamentos "neutros" dos alunos, "que não afetam direitos de terceiros ou interesses públicos".

Pimenta elenca algumas atividades, tais quais "usar óculos esportivos, namorar", como exemplos e diz que este tipo de proibição se baseia "unicamente em moralismo."

O documento estabelece 15 dias para que as autoridades informem as medidas que serão adotadas para cumprir as recomendações estabelecidas pelo Ministério Público Federal.

Apesar de não ter efeito vinculante, ou seja, não obrigar que os entes públicos executem as mudanças, as recomendações são expedidas para "orientar sobre a necessidade de observar as normas e visam a adoção de medidas práticas para sanar questões pelo órgão competente", conforme o próprio MPF.

O UOL tentou contato com o governo da Bahia, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.