"Volta para a selva", diz ex-aluno a professor chamado de "gorila" há 1 mês
Após ser chamado de gorila em um chat de uma aula online, o professor de história José Nilton da Silva Júnior, 39, foi novamente vítima de racismo em um menos de um mês. Dessa vez, o episódio envolveu dois ex-alunos do Colégio La Salle Abel, em Niterói, na região metropolitana do Rio, onde docente dá aulas.
As ofensas foram gravadas em vídeo e postadas na internet, depois de o professor receber apoio da comunidade escolar. As frases racistas foram feitas em referências ao primeiro ataque sofrido envolvendo um estudante de 12 anos.
No vídeo, dois adolescentes aparecem e um deles diz que o professor deve voltar para a selva. "Tão aí babando ovo de Júnior, vai se f***, macaco. Vai tomar no c*, Junior (...) Macaco não tem lugar de fato. Volta para a selva", afirmou o jovem.
Enquanto o vídeo é gravado, o adolescente diz que as opiniões dele e do amigo, que também é filmado, são as mesmas. No entanto, o segundo nega a afirmação durante a gravação com um sorriso no rosto.
O UOL conversou na manhã de hoje com o professor que afirma que já prestou queixa na delegacia de Icaraí, na zona sul de Niterói. Ele classificou o vídeo como uma barbárie.
Eu soube ontem de manhã sobre a existência desse vídeo. Uma amiga me mandou para que eu tivesse conhecimento do que estava acontecendo na internet e eu fui direto para a delegacia. Fiquei indignado, transtornado, abatido. Ainda estou tentando me recompor. É inacreditável que alguém fale isso e se filme falando isso. Foi terrível
José Nilton da Silva Júnior, professor de história, alvo de racismo
O vídeo envolvendo os dois ex-alunos foi gravado dias após o docente passar por um episódio de racismo em uma aula online. Um estudante de 12 anos, do 7º ano do La Salle Abel, chamou o professor de gorila no chat de uma aula virtual.
"Depois do primeiro caso, eu recebi muito apoio, presentes e depois disso esses adolescentes, que foram meus alunos há dois anos, repudiaram [esse acolhimento]. Foram dois alunos indisciplinados, inclusive a rematrícula de um deles foi negada na escola. É um vídeo tenebroso", diz o professor que até esse ano nunca havia sofrido racismo dentro da sala de aula.
"Racismo a gente experimenta no dia a dia. Essa é minha luta. Esse assunto tem que estar nas pautas das escolas, temos que criar políticas que favoreçam o combate ao racismo. A minha posição [de professor] já desconstrói muito essa visão, pois o racismo não permite que nos enxerguem nela e isso é uma visão de toda a sociedade. Não vale apenas não ser racista, precisamos ser antirrascistas", disse o professor que é mestre em História da África.
Nilton destaca ainda a importância de se combater o racismo estrutural. Como exemplo, o professor relembra que, ao chegar em uma festa, já foi questionado pelo porteiro se trabalharia no evento.
"Sou casado com uma mulher branca e um dia, cheguei sem ela em uma festa e o porteiro me perguntou se eu ia trabalhar na festa. As pessoas naturalizam o racismo estrutural", lamenta.
Primeiro caso em chat na escola
O primeiro caso de racismo envolvendo o professor ocorreu em 18 de junho, durante uma aula virtual. Em um chat, o docente foi chamado de gorila por um aluno de 12 anos, do sétimo ano, do ensino fundamental. Os colegas de turma repudiaram o ataque e pediram para que o colega parasse de atacar o professor. Nilton Júnior conta que não viu a mensagem na hora e que soube do episódio posteriormente, quando os demais alunos levaram o caso para a direção da escola.
"Eu recebi muitas mensagens de alunos, mensagens de carinho dizendo que estavam unidos, lamentando o ocorrido e o fato de levarem isso para a direção por conta própria é muito importante. É uma forma de combate, de não tolerar", explica.
Após o episódio de racismo, houve uma reunião do professor com a família do aluno que pediu desculpas pela situação. Nilton diz que sugeriu ao colégio a criação de um Comitê das Relações Étnicas-Raciais dentro da instituição e que o mesmo está em fase de elaboração.
"Estou elaborando esse comitê, estruturando para que isso não aconteça e garantir também a segurança de alunos negros na instituição", explica.
Procurada, a Polícia Civil disse apenas que o caso foi registrado e está sendo investigado. A escala, considerada tradicional e elitizada, em Niterói, ainda não se manifestou.
Aluna sai da escola após ser vítima de racismo
Recentemente, uma estudante de um colégio particular no Rio de Janeiro também foi vítima de racismo por parte de alunos da mesma turma.
Fatou Ndiaye, de 15 anos, aluna do Liceu Franco Brasileiro, em Laranjeiras, na zona sul do Rio, trocou de escola após colegas emitirem conteúdos racistas contra ela. O episódio ocorreu em maio e repercutiu nas redes sociais. Artistas como a atriz Taís Araújo e a cantora Iza manifestaram solidariedade a Fatou.
A jovem descobriu as mensagens racistas através de um amigo que participava do grupo no aplicativo em que a conversa aconteceu.
"Dou dois índios por um africano", "quanto mais preto, mais preju" e "fede a chorume" foram alguns dos insultos compartilhados.
Os alunos envolvidos foram investigados pela Polícia Civil do Rio que identificou a prática de crimes análogos ao racismo e injúria racial.
Liceu diz que deu apoio à aluna
Em nota, o Liceu Franco-Brasileiro reafirmou a posição antirrascista e destacou que ofereceu todo o apoio à aluna Fatou Ndiaye e à sua família.
A instituição informou ter intensificado medidas que sempre adotou no estímulo à diversidade: "criou o Comitê de Diversidade e Inclusão, destinado a propor programa de ações e políticas para inclusão; contratou consultoria especializada em igualdade racial para promover o aprofundamento para professores e alunos; está contratando um canal de denúncias externo e atualizando o Regimento Interno em relação a questões de diversidade".
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