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Aprovada por Covas, "compra" de vaga em escola é contestada e vai à Justiça

25.mar.2020 - O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), em imagem de arquivo durante visita ao hospital de campanha do Anhembi - Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo
25.mar.2020 - O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), em imagem de arquivo durante visita ao hospital de campanha do Anhembi Imagem: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

27/08/2020 04h00

Sancionado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), o texto que regulamenta a volta às aulas na cidade de São Paulo já é contestado na Justiça poucos dias após sua publicação no Diário Oficial, no dia 14 de agosto. O ponto da lei mais criticado é o que permite a "compra" de vagas em escolas privadas, incluindo as com fins lucrativos, para alunos da rede pública de 4 e 5 anos.

A Prefeitura argumenta que a contratação de vagas é necessária por conta de uma alta demanda de alunos no contexto da pandemia do novo coronavírus. O executivo municipal diz que "a aquisição de vagas de forma rápida e eficiente é um dos mais importantes" pontos da lei aprovada.

Para os críticos, a ideia de Covas de pagar por vagas em escolas particulares é tida como uma extensão do programa Mais Creche, aprovado no fim do ano passado, e que permite o repasse de verba pública para creches privadas que atendem crianças de 0 a 3 anos. O programa também enfrenta processo na Justiça.

"Em princípio, me parece que nesse ponto específico é uma repetição daquela norma [programa Mais Creche], só que agora estendendo os efeitos para os alunos de 4 e 5 anos", diz à reportagem o promotor João Paulo Faustinoni, integrante do Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Com argumentos semelhantes, o diretório estadual do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) protocolou, no dia 17 de agosto, um pedido de declaração de inconstitucionalidade da nova lei, focando neste dispositivo que permite a contratação de vagas em escolas particulares.

O que diz a Constituição

Em junho, o subprocurador-geral de Justiça de São Paulo, Wallace Paiva Martins Junior, opinou pela inconstitucionalidade de trechos do programa Mais Creche, em específico os que possibilitam a transferência de recursos públicos para instituições com fins lucrativos. Junior citou que a Constituição proíbe que escolas privadas deste tipo recebam verba pública.

Ao criticar o texto sancionado pelo prefeito, o promotor João Paulo Faustinoni também afirma que a Constituição proíbe o repasse de verba pública a entidades privadas de educação com fins lucrativos, citando o artigo 213 da Carta.

Mas, para a advogada constitucionalista Vera Chemim, dois pontos respaldam a norma sancionada pelo prefeito: a emergência gerada pela pandemia e o fato de a lei estabelecer que os recursos utilizados na contratação de vagas não serão considerados como "de manutenção e desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem".

"Se não fosse em caráter emergencial, uma razão urgente de saúde pública, poderíamos contestar. Neste caso, não. Outro argumento é que a receita que será empenhada não está vinculada à despesa de educação. Serão recursos próprios da Prefeitura que serão direcionados para este tipo de gasto, caso seja necessário", diz Chemim.

Segundo o executivo municipal, o programa será regulamentado com a edição de um decreto, "nos mesmos moldes do já estabelecido Mais Creche". Pontos como a origem dos recursos para pagar as escolas privadas serão esclarecidos a partir desta norma.

Problema das escolas "não vai ser resolvido em um ano"

A pedagoga Anna Helena Altenfelder, superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), vê com preocupação a possibilidade de "compra" de vagas em escolas particulares. "Faz mais sentido investir na própria estrutura das escolas públicas, ampliar essa estrutura, e não comprar vagas nas particulares. Isso vai gerar um trabalho de fiscalização muito grande", diz."Me parece que a carência maior de vagas será nas regiões mais vulneráveis, nas periferias, onde não existem muitas escolas particulares. Há um risco bem grave de precarizar o atendimento."

O documento protocolado pelo PSOL diz que "(...) o Poder Público, ao aplicar esta lei deixará, claramente, de investir grande montante de recursos na educação pública, na forma como dispõe a Lei de Diretrizes e Bases, notadamente com a construção e manutenção de prédios escolares, uma vez que as verbas públicas, que poderiam ser destinadas a mencionada finalidade, serão, na prática destinada à iniciativa privada".

Diretora de relações institucionais da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que atua em ações voltadas à educação infantil, Heloisa Oliveira afirma que, antes de ser debatido o retorno às aulas, as autoridades precisam discutir as condições ideais para que isso seja feito.

"Isso tem que ser mecanismo temporário, essa mesma lei menciona que o poder público precisa buscar ampliar sua rede para atender a demanda", diz. "O problema é a forma de aplicação desta norma. A questão é se o município vai garantir que as crianças da rede pública atendidas na rede privada vão ter a mesma atenção que as outras crianças. Não pode haver segregação, tratamento diferente para a rede pública. O município precisa se responsabilizar pela qualidade dessa oferta."

A Prefeitura informou que a fiscalização do programa de contratação de vagas deve ser feita por uma comissão composta de servidores de áreas técnicas da secretaria de Educação.

Audiências públicas e votações

O texto da lei foi criticado durante as audiências públicas na Câmara. Parte dos pais, professores, sindicatos e organizações do setor foram contrários à aprovação. A Procuradoria da Casa — que a representa juridicamente e presta consultoria aos parlamentares — elaborou um relatório apontando ao menos quatro ilegalidades na lei, incluindo o dispositivo da "compra" de vagas.

O relatório da vereadora Rute Costa (PSDB) na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa), no entanto, foi pela legalidade do projeto.

Outro lado

Em nota, a Prefeitura informou que ainda não foi intimada para se manifestar na ação movida pelo PSOL.

"Já a Secretaria Municipal de Educação (SME) informa que já registra aumento de 73% dos pedidos de vagas para EMEIs [Escolas Municipais de Educação Infantil], do que foi verificado em 2019. No ano passado, 981 buscaram atendimento na rede pública, este ano, 1.700 pedidos já foram feitos até agora. Entre outras questões importantes previstas no PL, a aquisição de vagas de forma rápida e eficiente é um dos mais importantes", diz a nota.