Prefeitura de SP entrega tablets, mas aluno fica ao deus-dará, diz mãe
A auxiliar de limpeza Patrícia Santos chora toda vez que tenta ajudar seu filho, Kauê Manoel Santos, de 9 anos, a fazer as atividades da escola. Até o mês passado, ele não sabia nem sequer ler palavras simples como bola e casa.
Com a chegada do tablet, doado pela Prefeitura de São Paulo, a expectativa era de melhoria, mas o aparelho durou apenas quatro tarefas escolares e parou de funcionar.
Desde então, há mais de dois meses, Kauê, que vai à escola presencialmente por uma semana e na outra fica na aula remota, segue com atividades impressas. "Não valeu de nada esse tablet, porque ele [aluno] fica ao deus-dará", disse Patrícia.
Na condição de anonimato, um professor da Escola Municipal Bartolomeu Campos de Queirós, que fica no Conjunto Habitacional Teotônio Vilela, na zona leste, disse que há mais de 60 equipamentos aguardando manutenção. A diretoria regional justifica aos funcionários que a prefeitura está priorizando a entrega dos tablets para depois resolver a situação dos equipamentos com problemas.
Procurada pelo UOL, a Secretaria Municipal de Educação, sob gestão de Ricardo Nunes (MDB), disse que os tablets aguardam um novo chip por parte da operadora —quem venceu a licitação dos chips foram as empresas Claro (R$ 11,7 milhões) e Oi (R$ 13,9 milhões), já a Multilaser ganhou a dos tablets (R$ 437,5 milhões).
A secretaria nem deu uma previsão de quando será feita essa manutenção. "Os responsáveis pelos estudantes serão avisados sobre a nova retirada. A unidade permanece com atendimento presencial dos alunos em sistema de rodízio", informou.
Para Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas), o melhor caminho seria descentralizar o processo.
"Quando a manutenção de computadores é centralizada na secretaria, os problemas são imensos. Um problema simples leva tempo para consertar, mas, se fosse descentralizado, seria um processo mais fácil."
A mãe Patrícia defende um retorno presencial ampliado. Como a escola do filho não consegue receber todos os alunos e ao mesmo tempo respeitar o distanciamento de um metro, optou-se pelo rodízio dos estudantes.
Na semana em que Kauê está em casa, o tablet deveria ser usado como complemento e para manter a relação com os professores.
A gente não tem quase dinheiro para comer e precisa gastar com internet para que eles consigam aprender o mínimo.
Patrícia Santos, auxiliar de limpeza e mãe de aluno no ensino municipal
Foi ao longo de um mês, em contato direto com os professores, que o menino conseguiu aprender a ler e escrever. "Ele parece outra criança quando tem essa atenção da escola", diz a mãe.
Para fazer atividades simultâneas, a família contratou internet no bairro. Mensalmente, Patrícia paga R$ 70 para o filho acessar as atividades usando o celular do pai.
Essa operação dos tablets tem uma logística complexa, que nós não estávamos preparados. O ideal seria, por exemplo, oferecer os equipamentos para alunos cadastrados no Bolsa Família e mais vulneráveis e aprender a partir da experiência de quem mais precisa.
Claudia Costin, diretora do Ceipe-FGV
Bairro periférico não tem sinal de internet
No bairro Pedreira, extremo sul da cidade, os filhos da professora Fernanda Machado foram um dos primeiros a receber os tablets em maio. O problema, no entanto, foi a conexão de internet, já que na região não chega sinal do chip que vem nos tablets.
"Tenho que arcar com a despesa de wi-fi para garantir o mínimo de acesso à educação para eles", conta Fernanda. Até o começo do ano, ela pagava R$ 50 para uma empresa local, mas, com a falta de sinal nos tablets, passou a pagar R$ 90.
Se a prefeitura tivesse garantido tablets com conectividade, principalmente na periferia, e estrutura para os professores trabalharem de forma síncrona [simultânea] e assíncrona, tantas crianças não teriam abandonado os estudos. Não houve planejamento, e a execução continua muito lenta.
Fernanda Machado, professora e mãe de Manuela, João e Helena
Para Fernanda, o desafio é fazer com que as crianças se mantenham próximas à escola. "Insistir que, apesar da pandemia, a escola continua existindo e os estudos também."
Costin alerta que "não basta ter o tablet, conectividade", o conteúdo oferecido ao aluno precisa estar conectado a sua necessidade de aprendizagem. "O ideal é registrar os problemas e tentar encontrar essa solução o quanto antes, porque são mais perdas de aprendizagem, mas desta vez por falhas operacionais e logísticas", explica.
Para a especialista, o ideal seria ter uma padronização do formato da aula, ao vivo ou não. As famílias entrevistadas pela reportagem disseram, no entanto, que as escolas têm dificuldade de conectividade para fazer aulas ao vivo.
Alunos com deficiência não têm professor especializado
Os tablets também não têm colaborado com a aprendizagem de alunos com deficiência da Escola Municipal Desembargador Francisco Meireles, na zona leste.
"O equipamento é ótimo, mas meu filho não tem nenhum tipo de atividade que atraia sua atenção para as atividades remotas", conta o segurança Marcos Monteiro, que é pai de Guilherme, 9, que tem autismo, e Laura, 10.
Por isso, ele faz apenas atividades impressas com a ajuda dos pais. Já Laura consegue acompanhar as aulas ao vivo, mas precisa usar o computador, já que a conexão do tablet não é das melhores.
O mesmo acontece com os filhos da vendedora Simone Vigilato. Lucas tem paralisia e não consegue escrever usando lápis ou canetas. Por cinco anos, ela pediu um tablet para que o aluno conseguisse fazer as atividades.
Seu outro filho, Pedro, enfrenta as mesmas dificuldades para usar o equipamento.
Não têm acompanhamento. Colocam as lições na plataforma e a gente precisa se virar.
Simone Vigilato, vendedora e mãe de dois meninos
Costin recomenda um planejamento com menos "exercícios de fixação". "Uma pesquisa de novos conceitos, onde no presencial eles podem discutir o que viram em casa. Esse é um dos conceitos mais importantes do ensino híbrido e que colabora para aprendizagem dos alunos, a sala de aula invertida."
Na escola dos filhos de Simone e Marcos, não há professor de AEE (Atendimento Educacional Especializado). "A professora do Guilherme comprou com próprio dinheiro um livro para ajudá-lo, ela se esforça, mas sabemos que precisa ter investimento da prefeitura", disse o segurança.
Em 2011, a então presidente da República, Dilma Rousseff (PT), assinou um decreto regulamentando o AEE, que deve funcionar como um sistema para garantir a aprendizagem do aluno com deficiência, sem gerar exclusão.
O ideal, segundo Luiz Conceição, coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes, é a escola realizar um trabalho com a família durante o sistema híbrido. "Aqui entra o apoio da professora do AEE, um calendário que aumenta aos poucos o uso do tablet para um aluno que não consegue focar em uma aula ao vivo."
Ele aponta ainda que os jogos pedagógicos são importantes para todos. "A tecnologia não vai resolver tudo e não dá para supor que a dificuldade é apenas dos alunos com deficiência."
A prefeitura disse que não há professor de AEE, mas informou que a escola está com atribuição aberta e uma seleção de estagiários.
O que diz a prefeitura
Em nota, a prefeitura disse que os tablets são usados para fim pedagógico, mas não explicou por que o bloqueio acontece para jogos pedagógicos, por exemplo. "Os alunos farão utilização dos equipamentos enquanto estiverem matriculados na rede", afirma a pasta.
Em relação às aulas síncronas, que acontecem ao vivo, a prefeitura explicou que não são a primeira opção e que acontecem para "fortalecer o que já está planejado pelos professores". Todas as escolas da capital, segundo a prefeitura, têm internet instalada.
Questionada sobre a baixa velocidade, a secretaria garantiu que enviou técnicos até as escolas citadas, mas não foram encontrados problemas com a conectividade.
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