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De barreira ao comunismo à 'polícia do mundo': Por que a Otan ainda existe?

A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, durante anúncio de reforço de tropas da aliança no Leste Europeu - Divulgação/ Otan
A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, durante anúncio de reforço de tropas da aliança no Leste Europeu Imagem: Divulgação/ Otan

Igor Mello

Do UOL, no Rio

03/03/2022 04h00Atualizada em 03/03/2022 11h33

Fundada como uma forma de barrar o avanço da União Soviética na Europa, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) teve sua existência questionada ao fim da Guerra Fria e chegou a ser tratada como uma espécie de "polícia do mundo" por seus críticos. Mas, afinal, por que a aliança militar entre Estados Unidos e Europa existe até hoje e tem papel central na guerra entre Rússia e a Ucrânia?

A Otan foi criada em 1949, no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. O diplomata britânico lorde Hastings Lionel Ismay, primeiro secretário-geral da aliança, resumiu as funções estratégicas da organização em três afirmações simples: "Manter a União Soviética fora, os Estados Unidos dentro [da Europa] e os alemães sob controle".

A citação foi lembrada pelo geógrafo Tito Lívio Barcellos Pereira, mestre em ciência política pelo Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), ao explicar a função atual da organização. Para ele, de certa forma essas afirmações voltaram a fazer sentido, substituindo a União Soviética pela Rússia de Vladimir Putin.

Porém, ele destaca que a Otan foi mantida ativa em razão dos interesses dos Estados Unidos a partir dos anos 1990, quando o país se consolidou como a única superpotência mundial após o fim da Guerra Fria. "A manutenção da Otan serviu para manter a hegemonia americana por conta de suas bases militares no continente europeu", explica.

Em análise publicada ontem (2), a colunista do UOL Fernanda Magnotta também destacou o papel da guerra da Ucrânia no retorno da Otan ao centro do debate sobre as instituições do Ocidente.

"Até outro dia, os especialistas tratavam a Otan como antiquada e anacrônica, e o próprio ex-presidente dos EUA Donald Trump, problematizava sua relevância e seus custos de manutenção. Em alguns poucos meses, a Otan passou a ser vista como o amálgama que aproxima os aliados, responde às ameaças do Ocidente e é defendida como prioridade estratégica de segurança pelo atual presidente norte-americano Joe Biden", afirmou a coordenadora do curso de relações internacionais da Faap, em São Paulo.

'Polícia do mundo'

Lucas Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que a Otan foi usada pelos Estados Unidos no período pós-soviético como uma forma de garantir sua presença global e estabelecer uma hegemonia. Isso se deu através de uma lógica de "polícia do mundo", na qual os americanos conferiam a si próprios a prerrogativa de intervir em situações que eles próprios consideravam ameaças à segurança global.

"Por razões estritamente realistas, não haveria mais sentido na Otan", diz.

A Otan continuou tendo sentido na lógica de policiamento do mundo. Quanto mais os Estados Unidos estivessem presentes em outras regiões, mais conseguiriam controlar as balanças de poder e manter a ordem internacional. Esse foi o uso que fizeram da aliança militar nos últimos 30 anos"
Lucas Rezende, professor da UFMG

Tito Lívio Barcellos Pereira lembra que nas últimas décadas a Otan fez intervenções militares em uma série de países. Primeiro, bombardeou a antiga Iugoslávia em 1999, como parte da Guerra do Kosovo. Em 2001, apoio os Estados Unidos na invasão ao Afeganistão. Já em 2011, interveio na Guerra Civil da Líbia, depondo o ditador Muammar Gaddafi. Membros da aliança, como Estados Unidos, França, Reino Unido e Turquia, ainda atuaram na Guerra da Síria.

O geógrafo diz que a guerra na Ucrânia mudou a coesão interna do grupo, mas avalia que ainda não é possível saber o quão perene será esse efeito sobre a Otan.

"Não sei quanto tempo isso vai durar e até onde pode ir o comprometimento de todos os membros da aliança, mas parece que a Otan voltou a encontrar sua essência", diz.

  • Veja as últimas informações sobre a guerra na Ucrânia e mais notícias no UOL News com Fabíola Cidral:

Errata: este conteúdo foi atualizado
Uma versão anterior deste texto dizia que a criação da Otan tinha sido uma "uma resposta ao Pacto de Varsóvia --que uniu os regimes comunistas do Leste Europeu, tendo a União Soviética à frente." No entanto, o Pacto de Varsóvia foi firmado em 1955, anos depois da criação da Otan. O texto já foi corrigido.