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Caso MEC: Prefeitos que relataram propina não conseguiram verba para obras

13.jan.2021 - Reunião do então ministro da Educação com prefeitos em Brasília, com a presença dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura - Reprodução/Instagram/mribeiro.mec
13.jan.2021 - Reunião do então ministro da Educação com prefeitos em Brasília, com a presença dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura Imagem: Reprodução/Instagram/mribeiro.mec

Ana Paula Bimbati e Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

01/07/2022 04h00

Três prefeitos que relataram ter recebido, mas negado, pedidos de propina dos pastores envolvidos no caso do MEC (Ministério da Educação) ainda aguardam a liberação de verbas para obras de escolas. As propostas se encontram em "análise" há pelo menos um ano.

O prefeito de Boa Esperança do Sul (SP), José Manoel de Souza, conhecido como Manoel do Vitorinho (PP), foi um deles. Ao UOL, ele relatou não ter recebido nenhum repasse para os pedidos feitos ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão responsável pela liberação de verbas às cidades.

"Tem vários pedidos da gestão anterior e também cadastros de novas demandas da nossa administração que não foram liberados", disse Manoel, que assumiu a prefeitura em janeiro de 2021, apenas dois meses antes da reunião em que teria recebido a proposta de pagamentos ilícitos.

Os prefeitos das cidades de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSD), e de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro (Cidadania), também não tiveram retorno de seus pedidos.

Os três gestores municipais vieram a público em março deste ano para falar sobre os pedidos de propina que teriam sido feitos pelo pastor Arilton Moura.

Moura, o pastor Gilmar Santos e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foram presos na semana passada no âmbito da Operação Acesso Pago, que investiga a suspeita de tráfico de influência e corrupção no MEC e na liberação de verbas do FNDE. O trio foi solto no dia seguinte, mas as investigações continuam.

Em abril deste ano, o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, afirmou ter suspendido preventivamente os processos de municípios nos quais os gestores relataram pedidos de propina, incluindo aqueles que tiveram recursos empenhados.

No entanto, não ficou claro se isso também se aplica aos três prefeitos que disseram não às propostas do suposto gabinete paralelo do MEC, considerando que alguns dos pedidos de melhorias feitos pelas prefeituras eram anteriores ao encontro de março de 2021.

Procurado pelo UOL, o FNDE não retornou. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

'Desconto' na propina

"Pedimos verba para compras de mobiliário, transporte, reformas e construção de escolas, mas todas as propostas ainda se encontram sob análise", relata o prefeito de Bonfinópolis.

A cidade tem uma população de 10 mil pessoas, cinco escolas de ensino fundamental e uma de ensino médio. Pinheiro teria recebido a proposta de propina após um evento com o então ministro da Educação. O pastor Arilton Moura teria dado ainda um "desconto" para o prefeito.

"Preciso que você coloque na minha conta, hoje, R$ 15 mil. Esse valor é para você, porque está com o pastor Gilmar, mas para os outros é até R$ 40 mil", teria dito o líder religioso. O prefeito de Bonfinópolis relatou que negou a proposta e saiu do local "enojado".

O prefeito Gilberto Braga não quis dar entrevista, mas seu advogado confirmou para a reportagem que a verba também não foi liberada ao município de Luís Domingues, com 7 mil habitantes.

Braga havia protocolado o pedido de duas obras ao FNDE, mas nenhuma delas avançou na liberação. Atualmente, segundo dados do Censo Escolar, a cidade possui oito escolas de ensino fundamental e uma de ensino médio.

Fundo bilionário

O fundo, ligado ao MEC, está no palco do suposto escândalo de corrupção envolvendo o ex-ministro da Educação e os pastores. Com orçamento em torno de R$ 68 bilhões neste ano, o FNDE é responsável pela gestão e transparência de recursos para municípios e estados.

Parte do dinheiro vai para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), principal mecanismo de financiamento da educação, e a outra parte é destinada a transferências voluntárias — abarcando projetos das cidades e estados. O esquema dos pastores estaria acontecendo nessa parte do orçamento.

O município de Turilândia (MA), por exemplo, conseguiu o acesso a verbas sem apresentar nenhum documento — descumprindo regra do próprio fundo. As informações foram publicadas em março deste ano pelo jornal O Globo. O prefeito da cidade tinha participado de um evento ao lado do ministro da Educação e dos pastores citados no suposto esquema.

Após o evento, a cidade recebeu repasse de R$ 60 mil, no fim de 2021 —ao todo, as obras aprovadas pelo MEC totalizam R$ 4 milhões.

De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, a verba do FNDE também estaria sendo liberada com facilidade para municípios com emendas parlamentares.

'Prefeito, você sabe como funciona, né?'

"O Brasil é muito grande, nós temos mais de 5 mil e poucos municípios, não dá para ajudar todo mundo." Foi isso o que Manoel do Vitorinho afirmou ter ouvido do pastor Gilmar Santos durante um almoço no hotel Grand Bittar, em Brasília, em março do ano passado.

A proposta seria a seguinte: o prefeito de Boa Esperança do Sul faria um depósito de R$ 40 mil "na conta da igreja evangélica" em troca da construção de uma escola profissionalizante — instituição que, segundo Manoel, não constava entre os pedidos da prefeitura ao MEC.

No dia da reunião, Manoel havia levado cinco protocolos de pedidos pendentes. De acordo com ele, o sistema por onde eram solicitados novos pedidos, o PAR 4 (Plano de Desenvolvimento da Educação), ainda não estava disponível para que as prefeituras cobrassem as demandas.

Os pedidos de repasses para melhorias no ensino foram apresentados por ordem de prioridade:

  • Construção de uma creche
  • 3 ônibus escolares
  • Climatizadores para as escolas
  • Mobiliários para as escolas
  • Equipamentos e utensílios de cozinha para as escolas

Nos ofícios levados até o MEC, Manoel argumenta que o aumento populacional demanda a construção de uma nova escola e que os ônibus escolares que circulam atualmente são "veículos obsoletos e velhos que colocam em risco a própria integridade das crianças".

Segundo o IBGE, Boa Esperança do Sul tem cinco escolas de ensino fundamental e uma de ensino médio para uma população estimada em 15.111 habitantes.

De acordo com o Censo Escolar, há 604 matrículas no ensino infantil, 1.688 no ensino fundamental e 448 no ensino médio.

"De tudo o que a gente pleiteou no PAR 4, o sistema do MEC, até agora, o município não foi contemplado com nada."