Salário, obras, transporte escolar: como veto de Bolsonaro afeta a educação
A lei que limita a cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis coloca em risco mais de R$ 20 bilhões do orçamento da Educação. Ao UOL, estados e municípios relataram quais áreas devem ser mais impactadas com a mudança.
Antes de ser sancionado, o projeto contava com uma emenda, aprovada pelo Congresso Nacional, que previa a compensação aos estados e municípios em caso de perda da arrecadação. O presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou esse trecho na última quinta-feira (23).
O estado do Paraná disse que "havia planejado diversos projetos", afetados agora pelo veto presidencial. A secretaria estadual de Educação previa, por exemplo, a "modernização e ampliação" da infraestrutura de novas escolas e reformas nos colégios.
"Alguns projetos estratégicos terão que ter o tamanho ou o prazo alterados", informou a pasta.
Desde o início da discussão da lei, especialistas e organizações ligadas ao tema da educação avaliam como a mudança pode impactar no orçamento das escolas públicas. A proposta visa baratear o preço dos combustíveis no país e foi defendida por Bolsonaro, que tenta a reeleição neste ano.
Nesses últimos três anos e meio, temos a educação marcada por um desmonte. O veto, então, é coerente com essa política de desmonte do financiamento da educação. Essa conta é do presidente"
Vitor de Angelo, presidente do Consed e secretário da Educação no Espírito Santo.
O ICMS — recolhido pelos estados — é fundamental no repasse à educação no Brasil. Pelo menos 25% da receita resultante de impostos dos estados e municípios deve ser utilizada na educação, conforme prevê a Constituição.
Além disso, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é composto por 10 impostos —o ICMS corresponderia, em média, a 60% da cesta.
O Paraná, que sofrerá impactos também na compra de novos equipamentos tecnológicos, tem quase 70% de participação do ICMS no dinheiro do Fundeb. Nas despesas totais de educação, 54,1% dos recursos vêm desse imposto. Os dados são referentes a 2020 e foram levantados pelo Conof (Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira).
"Alguns projetos podem ser paralisados para que a Secretaria priorize o salário dos professores, a recente ampliação da merenda (três refeições por turno), fundamental para os alunos, e o fundo rotativo (verba de custeio) das escolas", explica a pasta do Paraná.
Por outro lado, o pagamento de salário estará em risco nos municípios, que já têm dificuldade para cumprir o piso do magistério.
Uma pesquisa da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), feita em abril deste ano, mostrou que o reajuste do piso dos professores foi aplicado em menos de 30% das cidades consultadas — quase 2,8 mil municípios foram ouvidos.
Para a reportagem, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro disse que mais de 70% do dinheiro do Fundeb é usado com despesas de pessoas e o restante, com "manutenção do ensino" —como compra de livros, material escolar em geral e uniforme.
Essas perdas financeiras vão atacar aquilo que mais precisamos hoje: ações de recomposição de aprendizagem. Precisamos de recursos adicionais para ampliação de jornada, de atendimento aos alunos que tiveram essa perda imensa de aprendizagem."
Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (que reúne secretários municipais de educação)
A Prefeitura de São Paulo informou ao UOL que ainda não tem a projeção do que pode ser impactado com a mudança. O estado paulista disse que "ainda é prematuro estimar quais programas" devem ser afetados, mas afirmou à reportagem que o dinheiro ligado ao ICMS é usado em toda a educação básica.
"Podendo ser encaminhado diretamente para as escolas, via PDDE [Programa Dinheiro Direto na Escola], como também ser utilizado em despesas como transporte", disse a secretaria estadual.
As secretarias do estado do Amazonas, Goiás e Pernambuco não responderam aos questionamentos da reportagem. O UOL entrou em contato com essas administrações, pois, segundo levantamento do Conof, são os estados com maior participação do ICMS na verba da educação.
Já o estado do Rio de Janeiro informou que está no Regime de Recuperação Fiscal e, para ter uma mudança no ICMS, precisa da aprovação de um convênio no Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Priorização
Segundo Vitor de Angelo, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), cada estado será impactado de uma forma. Tudo dependerá daquilo que a secretaria vai priorizar.
"Aqui no Espírito Santo, fizemos uma reorganização na tabela dos professores. Assumi esse compromisso, então não tenho como tirar do salário, mas vou precisar repensar a compra de equipamentos de informática, formação de professores e obras", explica Angelo.
Por isso, segundo ele, redes de ensino que não assumiram compromisso salarial podem precisar congelar o salário.
"Educação, para ser prioridade, é só ela estar blindada, mas quando mexo na fonte de financiamento, o recado é claro. Então, qualquer fala no sentido de que 'educação é prioridade' é uma hipocrisia", avalia o secretário.
Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), que representa as secretarias municipais, analisa também que o veto de Bolsonaro afeta o cumprimento do PNE (Plano Nacional de Educação).
"Estamos falando de ampliação de turmas, atender à demanda, incentivo ao professor. São muitas áreas envolvidas", diz Garcia.
Procurado pela reportagem para comentar o veto e o impacto dessa decisão nas escolas públicas, o MEC (Ministério da Educação) não respondeu aos questionamentos. O espaço fica aberto para atualizações.
Derrubada do veto
Tanto o Consed como a Undime defendem a derrubada do veto em Brasília. A bancada da educação na Câmara também tem atuado nesse sentido.
"Os presidentes da Câmara e do Senado [Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente] chegaram a negociar com o Planalto e a fazer coletiva de imprensa com Bolsonaro e o ministro [da Economia] Paulo Guedes se comprometendo a recompor as perdas na arrecadação. Mais uma vez, o presidente não cumpre sua palavra", afirma o deputado federal Israel Batista (PSB) e presidente da Frente da Educação na Câmara.
O parlamentar disse que a frente já se reuniu e organiza um encontro com líderes partidários para falar sobre o tema nos próximos dias.
"Por coerência e compromisso, que temos visto do Congresso, esperamos esse sinal da derrubada. Se isso não ocorrer, que fique claro que os danos para educação e para o país serão muitos grandes", afirma o presidente do Consed.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.