Presidente do FNDE diz que parou processos que seriam ligados a pastores
O presidente do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação), Marcelo Lopes da Ponte, disse hoje (7) ao Senado que suspendeu "preventivamente" os processos de municípios em que os prefeitos relataram pedidos de propina de pastores que atuariam em um suposto gabinete paralelo no MEC (Ministério da Educação). Ponte prestou depoimento na Comissão de Educação da Casa. Os dois líderes religiosos também foram convidados, mas não compareceram.
"Todos os municípios ou prefeitos que foram motivo de oitiva na última terça-feira [5], inclusive os que não estiveram presentes, eu determinei administrativamente a suspensão de todos os processos até a apuração final de todas as demandas da CGU [Controladoria Geral da União], preventivamente", disse Ponte. "Inclusive os que tiveram recursos empenhados."
Cinco prefeitos foram ouvidos na terça (5) e outros quatro foram chamados, mas não participaram (leia mais abaixo).
Os senadores ouvem depoimentos sobre o suposto envolvimento dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que não têm vínculo com o governo federal, na liberação de verbas do fundo. Os recursos seriam usados em obras de creches, escolas e quadras, e na compra de equipamentos tecnológicos.
Os parlamentares também fazem perguntas sobre uma denúncia de sobrepreço na avaliação de ônibus escolares em um processo de licitação tocado pelo FNDE e sobre a compra de kit de robóticas por escolas que não têm água e computador. Ponte negou irregularidades na liberação de verbas.
Ele falou sobre a suspensão dos processos ao ser questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Antes disso, em uma fala introdutória, afirmou que os recursos são tratados com transparência.
Em resposta ao senador Marcos Rogério (PL-RO), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), Ponte ressaltou que não foi pago nenhum dos recursos das obras supostamente ligadas aos pastores.
Nenhuma [obra que teria tido intervenção dos pastores] foi paga. Em nenhuma foi gerado, inclusive, o termo de compromisso ou autorização para licitação."
Marcelo Lopes da Ponte, presidente do FNDE
O UOL pediu à autarquia o detalhamento destes processos e aguarda retorno.
Ponte afirmou que participou de reuniões em que estiveram os pastores, inclusive na presença do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro. Perguntado sobre qual era a função dos líderes religiosos nestes encontros, o depoente disse que eles estavam lá "para levar orações".
O presidente do FNDE destacou que o orçamento do órgão para 2022 é de R$ 68 bilhões, mas apenas 0,016% são usados pagar obras em andamento, tais como novas escolas e creches, construção de quadras, além da aquisição de ônibus. A maior parte da verba, segundo ele, está atrelada a despesas obrigatórias, que incluem livros didáticos e programas de transporte e alimentação escolar.
Ônibus e kit robótica
Ao longo da audiência de hoje, Ponte foi questionado pelos senadores por suspeitas envolvendo ônibus escolares, cuja compra foi suspensa nesta semana pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Outro assunto abordado pelos parlamentares foi a informação de que o governo destinou R$ 26 milhões em kits de robótica a escolas sem água e computadores.
Sobre os ônibus, o presidente do FNDE negou as denúncias de superfaturamento e afirmou que a situação já estava sanada quando o caso foi revelado. "A imprensa divulgou o relatório um mês após todas as pendências terem sido resolvidas, superadas pela nossa área técnica."
Afirmou, ainda, que o pregão dos ônibus foi acompanhado pela CGU em todas as fases. "As recomendações apontadas em todas as suas fases relacionadas à metodologia de cálculo dos preços foram atendidas para a reabertura do pregão que foi republicado em março."
Mais tarde, senadores questionaram Ponte sobre uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada hoje, que informa que uma empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ficou com 79% da verba paga por kits de robótica comprados pelas prefeituras.
Em resposta, o presidente do FNDE afirmou que estes contratos são de responsabilidade dos municípios, mas ressaltou que todas as liberações de recursos do órgão são feitos com "amparo técnico".
Cinco prefeitos foram ouvidos pela comissão
Na terça, cinco prefeitos foram ouvidos pelos senadores na mesma comissão. Eles são filiados a cinco partidos diferentes e comandam prefeituras em cinco estados, mas foram unânimes em afirmar que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura teriam pedido quantias de R$ 15 mil a R$ 40 mil para a liberação de recursos do FNDE e, em um caso, até 1 kg de ouro.
Os prefeitos que falaram à comissão foram:
- Gilberto Braga (PSDB), de Luís Domingues (MA);
- Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO);
- Helder Aragão (MDB), de Anajatuba (MA);
- José Manoel de Souza (PP), de Boa Esperança do Sul (SP); e
- Calvet Filho (PSC), de Rosário (MA).
Outros quatro gestores municipais foram chamados, mas não participaram da audiência. São eles:
- Marlene Miranda (PCdoB), de Bom Lugar (MA);
- Reinaldo Vilela Paranaíba Filho (PSD), de Três Corações (MG);
- Júnior Garimpeiro (PP), de Centro Novo (MA); e
- Nilson Caffer (PTB), de Guarani D'Oeste (SP).
Além de Ponte e dos dois líderes religiosos, a Comissão de Educação no Senado convidou para audiência 21 prefeitos, o ex-ministro Milton Ribeiro e o ministro interino da Educação, Victor Godoy Veiga. O requerimento de convite não obriga a participação do depoente.
Ribeiro não compareceu, embora tenha se comprometido a ir, num primeiro momento. Ainda não há data confirmada para o depoimento de Veiga —a previsão é que aconteça na semana que vem.
Ponte está no comando do FNDE desde junho de 2020, e chegou a ser cotado para substituir o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que deixou o cargo na semana passada. O atual presidente da autarquia afirmou, à comissão, que trabalhou 20 anos no Congresso —ele foi assessor parlamentar e chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), atual ministro da Casa Civil. Chegou ao comando da autarquia por indicação do centrão.
Áudio de Ribeiro e influência de Bolsonaro
Sobre os pastores citados nas denúncias, Ponte não deu detalhes sobre as funções exercidas por eles em reuniões do MEC.
Gilmar Santos é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e Arilton Moura é assessor de Assuntos Políticos da entidade. Os dois participariam de um suposto gabinete paralelo no MEC, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
Em áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o governo federal prioriza a liberação de verbas a municípios que eram indicados por Santos e Moura —os recursos eram direcionados obras de creches, escolas e quadras e para a compra de equipamentos eletrônicos.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro no áudio obtido pela Folha de S. Paulo.
Inicialmente, Ribeiro admitiu ter encontrado os líderes religiosos, mas isentou o presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma semana depois, ele pediu exoneração. Em carta, defendeu a investigação do caso. "As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", afirmou.
O pastor Santos negou ter recebido ou contribuído para o recebimento de propina. Pelas redes sociais, Santos também eximiu Bolsonaro de culpa. "Gostaria de externar que nenhum pedido fora feito ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República", disse. Ailton Moura não se manifestou.
'Cadê as suas demandas?'
De acordo com os depoimentos dos prefeitos à Comissão de Educação, os encontros com os pastores teriam ocorrido entre março e abril de 2021 e o modus operandi era parecido.
Primeiro, os gestores municipais eram recebidos em um encontro com o MEC, com a presença de Ribeiro, e, depois, levados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura para restaurantes onde as propostas eram feitas.
Ele [Moura] virou para mim e disse: 'Cadê suas demandas?'. Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou rapidamente: 'Você vai me arrumar R$ 15 mil para protocolar suas demandas e, depois que o recurso tiver empenhado, como sua região é de mineração, você vai me trazer 1 kg de ouro'. Eu não disse nem que sim nem que não e me afastei."
Gilberto Braga (PSDB), prefeito de Luís Domingues (MA), em depoimento no Senado
O prefeito Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO), disse que, primeiro, foi procurado pelos pastores para a compra de 50 bíblias por R$ 1 mil cada. Como negou, depois, foi levado a um restaurante em Brasília, onde os dois pastores pediram uma "contribuição" para a liberação de obras.
Quando chegou na minha mesa, o pastor Arilton me abordou de forma muito abrupta e direta, dizendo: 'Olha, prefeito, vi aqui que seu ofício está pedindo escola de 12 salas. Essa escola deve custar R$ 7 milhões, o recurso. Mas, é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Você faz uma transferência para a minha conta, porque esse negócio de paga depois não cola comigo não. Vocês políticos são um bando de malandros, que se não pegar antes, depois não paga ninguém'. Aquilo me deu ânsia de vômito."
Kelton Pinheiro, prefeito de Bonfinópolis (GO)
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a conduta de Ribeiro e as denúncias de favorecimento e corrupção. A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a abertura de investigação.
À PF, o ex-ministro Ribeiro confirmou que o presidente Jair Bolsonaro lhe pediu para receber o pastor Santos, mas negou "tratamento privilegiado" e a existência de um "gabinete paralelo" na pasta.
O prazo para conclusão das primeiras diligências é de 30 dias. As suspeitas são de crimes de corrupção passiva, advocacia administrativa e tráfico de influência.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.