Governo reduz preço de ônibus escolares em pregão; TCU suspende compra
O TCU (Tribunal de Contas da União) suspendeu hoje a homologação de um processo para compra de até 3.850 ônibus escolares pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão ligado ao Ministério da Educação. O motivo: há suspeita de sobrepreço no edital.
Para tentar salvar o pregão, o FNDE baixou na noite de ontem o valor máximo para adquirir os veículos para R$ 1,5 bilhão —antes podia ficar em R$ 2,045 bilhões — conforme mostrou o jornal o Estado de S. Paulo.
O certame começa hoje, com o envio de propostas dos fornecedores interessados, mas as demais etapas não podem ser concluídas até que as investigações sejam finalizadas. A decisão do ministro do TCU Walton Alencar Rodrigues foi publicada na manhã de hoje, pouco antes do horário marcado para o início do pregão.
O contratante se propôs a pagar até R$ 480 mil por um veículo que está avaliado em R$ 270 mil, segundo cálculo do próprio setor técnico do FNDE. As informações foram reveladas também pelo Estado de S.Paulo. Com base no material jornalístico, o Ministério Público no TCU pleiteou a suspensão.
O preço total, ao final da compra, pode pular de R$ 1,3 bilhão para R$ 2,045 bilhões, com aumento de até 55% ou R$ 732 milhões. Porém, numa reviravolta, um despacho assinado hoje por Garigham Amarante, que comanda a Diretoria de Ações Educacionais (Dirae) do FNDE, estabelece que o novo valor máximo passou a ser de R$ 1,5 bilhão, preço sugerido pela CGU numa manifestação anterior do órgão sobre o assunto, em 10 de março.
Esse valor de R$ 1,5 bilhão corresponde à atualização dos preços do Pregão 6/2021 pelo IPP (Índice de Preços ao Produtor), um outro indicador de inflação. O cálculo representa um recuo do diretor indicado por Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, que divide com Ciro Nogueira os cargos do fundo da Educação.
Órgão tem 15 dias para detalhar preços
Na medida cautelar, o ministro Rodrigues também autorizou que seja realizada uma oitiva no FNDE. O órgão tem 15 dias para apresentar um detalhamento do processo de obtenção de preços, a documentação referente a uma fiscalização do pregão feita pela CGU (Controladoria-Geral da União) e as notas técnicas do FNDE que justificam o cálculo do preço.
"De fato, há toda uma série de fatores importantes, pendentes de comprovação, que podem ter influenciado no preço dos veículos, os quais precisam ser devidamente esclarecidos pelo FNDE", escreveu o ministro do TCU em sua decisão.
Ao UOL, o FNDE disse que irá usar o menor preço como critério de escolha do fornecedor dos até 3.850 ônibus que serão adquiridos.
Na decisão, Rodrigues destacou que o FNDE havia se comprometido a conceder acesso aos auditores do TCU para uma análise completa dos arquivos do certame a fim de verificar a possibilidade de sobrepreço no edital. Isso, no entanto, não ocorreu.
Contudo, lastimavelmente, tal medida não restou implementada até o final do dia, impedindo que o TCU avaliasse, adequadamente, os preços de referência do certame
Ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União
Na visão do ministro, os auditores do órgão de fiscalização e controle não receberam informações suficientes para análise de "todos os elementos de convicção, necessários à elucidação das dúvidas relevantes, em razão da omissão, ou inércia, ou volição da Administração [em referência ao Poder Executivo]".
"Tendo em vista que o certame será realizado nas próximas horas, há evidente risco de ineficácia da decisão de mérito, a caracterizar o perigo da demora. Sobretudo por tratar-se de tema que suscita interesses variados, relativamente ao qual já foram protocolados, na Secretaria do TCU, pelo menos outras duas representações similares à presente. Considero, portanto, presentes os pressupostos para a concessão da medida cautelar", escreveu Rodrigues.
Entenda o caso:
De R$ 1,3 bilhão para R$ 2,045 bilhões
O objetivo do pregão eletrônico é comprar até 3.850 ônibus, como parte do programa Caminho da Escola. Na previsão, o fundo se propôs a pagar até R$ 210 mil a mais por veículo.
No total, o impacto no valor de compra é de R$ 732 milhões a mais que o previsto:
- Saltaria de R$ 1,3 bilhão
- Para R$ 2,045 bilhões.
Não há justificativa, dizem pareceres
Os pareceres técnicos do FNDE, da CGU, que acompanha o pregão, e da AGU (Advocacia-Geral da União), feitos a pedido do próprio fundo, apontaram sobrepreço, segundo a reportagem do Estadão.
"Observa-se que os valores obtidos [...] encontram-se em média 54% acima dos valores estimados", afirmou relatório da CGU.
Embora tenha solicitado, o UOL não teve acesso aos pareceres até o fechamento desta reportagem.
Influência do centrão
O FNDE é presidido por Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira (Casa Civil) e indicação direta do centrão, que faz parte da base de apoio do governo Jair Bolsonaro (PL).
Senador licenciado, Nogueira fez postagens em suas redes sociais destacando a compra dos veículos, em especial do Piauí, seu estado. O próprio MEC divulgou o lançamento do programa em Teresina.
A influência do centrão não para por aí. Ainda de acordo com o Estadão, documentos apontam influência direta de Garigham Amarante, diretor do FNDE, na definição dos valores. Ele foi indicado ao cargo por Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e chegou a ser apontado, na semana passada, como possível substituto de Milton Ribeiro no MEC.
Critério é menor preço, diz FNDE
Ao UOL, o FNDE afirmou que o pregão seguirá os requisitos legais de ter como critério de julgamento para escolha o menor preço e que as recomendações feitas pela CGU foram acatadas.
"O FNDE reforça que o processo do Pregão Eletrônico nº 2/2022 está sendo acompanhado pela CGU em todas as suas etapas e as recomendações apontadas na auditoria preventiva, realizada em fevereiro, relacionadas à metodologia de cálculo dos preços, foram atendidas para a reabertura do pregão que foi publicada em março", declarou o órgão.
Importante destacar que, após encerrada a fase de lances, a empresa que apresentar o menor preço deve encaminhar os documentos de habilitação técnico, jurídico e financeiro."
Nota enviada pelo FNDE
À reportagem, a AGU afirmou que o relatório é produzido pela própria equipe e funciona como uma consultoria jurídica independente, encomendada pelo FNDE e é para o fundo que o documento deve ser solicitado.
Procurada, a CGU não retornou.
Quatro modelos de veículos
Segundo o edital, são quatro modelos de veículo. São eles:
- Ônibus com comprimento máximo de sete metros e capacidade mínima para 29 estudantes sentados;
- Ônibus com tração nas quatro rodas, comprimento máximo de sete metros e capacidade mínima para 29 estudantes sentados;
- Ônibus com comprimento máximo de nove metros e capacidade mínima para 44 estudantes sentados;
- Ônibus com comprimento máximo de 11 metros e capacidade mínima para 59 estudantes sentados.
Todos devem ser equipados com dispositivo para transposição de fronteira, do tipo poltrona móvel, para embarque e desembarque de estudantes com deficiência ou mobilidade reduzida."
Edital
*Com informações do Estadão Conteúdo
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