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MEC: "Deu ânsia de vômito", diz prefeito sobre pedido de propina de pastor

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

05/04/2022 04h00Atualizada em 06/04/2022 18h12

Prefeitos de diferentes cidades brasileiras narraram hoje (4), em comissão no Senado, que pastores sem cargos públicos pediram propina para liberação de recursos do MEC (Ministério da Educação). Segundo relatos, o chamado "gabinete paralelo" da pasta teria pedido quantias de R$ 15 mil a R$ 40 mil e, em um caso, até 1 kg de ouro para atender às demandas. Um deles disse ter sentido "ânsia de vômito" após proposta.

Cinco prefeitos foram ouvidos nesta manhã na Comissão de Educação sobre o suposto envolvimento de pastores sem cargos públicos no MEC, durante a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro. Outros quatro gestores municipais também foram convidados, mas disseram que não iriam comparecer.

Os encontros teriam ocorrido entre março e abril de 2021. Segundo os relatos, o modus operandi era parecido. Primeiro, os prefeitos eram recebidos em um encontro com o MEC, com a presença de Ribeiro, e, depois, levados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura para restaurantes onde as propostas eram feitas.

O prefeito Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO), disse que, primeiro, foi procurado pelos pastores para a compra de 50 bíblias por R$ 1 mil cada. Como negou, em 11 de março de 2021, foi levado a um restaurante em Brasília, onde os dois pastores pediram uma "contribuição" para a liberação de obras.

Quando chegou na minha mesa, o pastor Arilton me abordou de forma muito abrupta e direta, dizendo: 'Olha, prefeito, vi aqui que seu ofício está pedindo escola de 12 salas. Essa escola deve custar R$ 7 milhões, o recurso. Mas, é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Você faz uma transferência para a minha conta, porque esse negócio de paga depois não cola comigo não. Vocês políticos são um bando de malandros, que se não pegar antes, depois não paga ninguém'. Aquilo me deu ânsia de vômito. Eu fiquei sem chão, sem maneira de me comportar. 'É R$ 15 mil porque você está com o pastor Gilmar, porque dos outros eu cobrei R$ 30 mil ou R$ 40 mil.'
Kelton Pinheiro, prefeito de Bonfinópolis (GO)

No depoimento, Pinheiro diz que, no início, pensou se tratar de "golpe e ação isolada", mas, depois que outros colegas também denunciaram ações parecidas, ele entendeu que se tratava de algo recorrente.

Segundo o prefeito Gilberto Braga (PSDB), de Luís Domingues (MA), seu encontro teria ocorrido no dia 7 de abril de 2021, em Brasília, na presença de 20 a 30 prefeitos. Moura teria abordado Braga diretamente para saber quais demandas ele teria para o MEC e, "sem pedir segredo", requereu R$ 15 mil e 1 kg de ouro para protocolar os pedidos.

O pastor estava sentado na mesa no Ministério da Educação e, em seguida, fomos para o almoço. Nesse almoço, que não estava o ministro, só estavam os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, e 20 a 30 prefeitos. A conversa lá era muito aberta. Ele [Arilton] virou para mim e disse: 'Cadê suas demandas?'. Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou rapidamente: 'Você vai me arrumar R$ 15 mil para protocolar suas demandas e, depois que o recurso tiver empenhado, como sua região é de mineração, você vai me trazer 1 kg de ouro'. Eu não disse nem que sim nem que não e me afastei.
Gilberto Braga, prefeito de Luís Domingues (MA), em depoimento no Senado

Braga disse que as demandas não foram atendidas. "Logo porque eu também não aceitei dar os R$ 15 mil para protocolar", justificou.

José Manoel de Souza (PP), de Boa Esperança do Sul (SP), narrou situação semelhante em 18 de março de 2021. Ele também teria sido recebido por Ribeiro e pelo presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Marcelo Pontes, junto a outros prefeitos e, depois, levado para um almoço pelos pastores.

O pastor Arilton me levou para uma mesa, na saída do restaurante, aonde perguntou: 'Prefeito, você sabe muito bem como funciona, né?'. Eu disse: 'Não'. Ele falou: 'Prefeito, o Brasil é muito grande, nós temos mais de 5.600 municípios. Mas nós podemos te ajudar'. Eu disse: 'De que forma?'. Ele falou: 'Com uma escola profissionalizante. Você assina um ofício, eu já coloco no sistema e, em contrapartida, você deposita R$ 40 mil na conta da igreja evangélica
José Manoel de Souza, prefeito de Boa Esperança do Sul (SP), em depoimento no Senado

Souza diz ter negado a proposta.

Prefeitos falam no Senado

Ao todo, foram aprovados os depoimentos de 21 prefeitos e do ministro interino da Educação, Victor Godoy Veiga. Como foram convidados, cada um deles pode ou não comparecer. Os depoimentos foram solicitados em requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Hoje, participaram:

  • Presença online: Gilberto Braga (PSDB), de Luís Domingues (MA); Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO); Helder Aragão (MDB), de Anajatuba (MA); José Manoel de Souza (PP), de Boa Esperança do Sul (SP); e Calvet Filho (PSC), de Rosário (MA).
  • Ausências: Marlene Miranda (PCdoB), de Bom Lugar (MA); Reinaldo Vilela Paranaíba Filho (PSD), de Três Corações (MG); Júnior Garimpeiro (PP), de Centro Novo (MA); e Nilson Caffer (PTB), de Guarani D'Oeste (SP).

Para quinta-feira (7), foram convidados o presidente do FNDE, Marcelo Pontes, e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Godoy deverá ser recebido na semana que vem, ainda sem data.

Os parlamentares informaram que, caso o ministro interino não compareça, eles farão uma convocação. Com esse segundo tipo de requerimento, Godoy é obrigado a participar da audiência.

Entenda o caso

Em áudio divulgado há duas semanas pelo jornal Folha de S.Paulo, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o governo federal prioriza a liberação de verbas a municípios que eram indicados pelos pastores Gilson Santos e Arilton Moura —que não têm vínculo formal com o MEC, mas negociavam recursos para obras de creches, escolas e quadras.

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro no áudio obtido pela Folha de S. Paulo.

Ao jornal Estadão, o prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, afirmou que um dos pastores citados teria pedido propina em ouro para a liberação de verbas. Pelo menos outros nove prefeitos confirmaram a atuação dos dois pastores junto ao ministério.

Inicialmente, Ribeiro admitiu ter encontrado os líderes religiosos, mas isentou Bolsonaro. Uma semana depois, ele pediu exoneração. Em carta, defendeu a investigação do caso.

"Tenho plena convicção de que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", afirmou.

Em entrevistas, Ribeiro disse que havia solicitado apuração sobre a atuação dos dois líderes religiosos. A Controladoria-Geral da União confirmou pedido de investigação de duas suspeitas em agosto do ano passado —uma delas "obre oferecimento de vantagem indevida, por parte de terceiros, para liberação de verbas no âmbito do FNDE".

Em março deste ano, a investigação da CGU foi concluída apontando que não haveria participação de agentes públicos, mas de terceiros. Por isso, recomendou o envio do caso à Polícia Federal.

A PF abriu inquérito para investigar a conduta de Ribeiro. A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a abertura de investigação.

O pastor Gilmar Santos negou ter recebido ou contribuído para o recebimento de propina. Pelas redes sociais, Santos eximiu Bolsonaro de culpa. "Gostaria de externar que nenhum pedido fora feito ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República", afirmou. Ailton Moura não se manifestou.