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'Aprendeu a ler aos 3 anos': pais contam rotina e desafios de superdotados

Os irmãos Leonardo, 7, e Guilherme, 5, são superdotados e conhecem diferentes idiomas - Arquivo pessoal
Os irmãos Leonardo, 7, e Guilherme, 5, são superdotados e conhecem diferentes idiomas Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

10/08/2022 04h00Atualizada em 12/08/2022 20h46

Guilherme tem cinco anos, já é alfabetizado e se comunica em três idiomas. Seu irmão Leonardo, de sete anos, tem habilidades artísticas, gosta de esculturas, pinturas. Ambos são considerados crianças superdotadas — têm o QI (quociente de inteligente) acima de 130, a média brasileira é de 87.

"Desde pequenos eles faziam o que a gente chamava de gracinha. Falavam diferentes alfabetos, diziam os números em outros idiomas, mas nossa visão mudou quando um dia ouvi o Guilherme inventando palavras. Coloquei o celular perto dele e o Google me disse que ele estava contando os números em russo", relembra Fernando Fontes Santos, administrador de empresa e pai dos meninos.

Guilherme começou a falar sozinho de um a dez em outros quatro idiomas diferentes. Seu irmão sabe a contagem em outras duas línguas.

Hoje, dia 10 de agosto, é comemorado o Dia Internacional da Superdotação. O UOL conversou com duas famílias para entender o dia a dia, os desafios e a história das crianças com altas habilidades.

Meu filho é superdotado? Fernando Santos conta que, em um primeiro momento, ele e sua esposa procuraram um profissional na cidade para entender o que os filhos tinham de "diferente". Com a confirmação de que os filhos são superdotados, o casal diz que passou a colaborar mais com o desenvolvimento dos filhos — as crianças têm uma rotina cheia de atividades como aulas de inglês e de diferentes esportes.

No último mês, no entanto, a família decidiu procurar profissionais com mais experiências para chegar ao teste completo — o mesmo reconhecido pela Mensa, sociedade britânica fundada em 1946 que reúne pessoas de alto QI no mundo. O laudo do Guilherme chegou na última semana e foi confirmado que ele tem um QI de 143.

Com o documento, a criança foi integrada à Mensa Brasil. "Essa é uma conquista, uma comprovação social, porque agora os direitos deles serão garantidos", afirma Santos. Para ter o laudo completo, o administrador de empresa conta que chegou a gastar R$ 3.500 com cada filho.

Para Carla Bastos, a comprovação do laudo de seu filho Gabriel (ele tem um QI acima de 144) a ajudou a entender onde ela precisava investir no desenvolvimento da criança, que tem 11 anos. Ela afirma que o foco da família é no emocional e nas questões de saúde mental do menino. "Sei que, se ele estiver feliz, tudo vai ficar bem."

Quando uma criança é considerada superdotada? O vice-presidente da Mensa Brasil, Carlos Eduardo Fonseca, explica que para uma criança ser considerada superdotada é preciso atender três critérios:

  • alta capacidade intelectual, o famoso teste de QI;
  • alta criatividade;
  • e alta motivação.

Segundo Damião Silva, neuropsicólogo e especialista em altas habilidades, os pais devem ficar atentos em relação ao desenvolvimento da criança.

Elas vão ter interesse por leitura, matemática, assuntos específicos ligados ao conhecimento, mas fora de sua faixa etária. Os primeiros sinais são as habilidades acadêmicas"
Damião Silva, neuropsicólogo

No caso do Guilherme, além de falar outros idiomas, ele passou a ler e escrever por volta dos três anos de idade. Seu irmão Leonardo, que está no segundo ano do ensino fundamental, chega em casa contando que, quando a professora terminou de escrever a atividade na lousa, ele já tinha escrito e terminado a lição.

Já Gabriel, por volta dos quatro anos, na sua primeira aula de piano já sabia ler partituras.

O neuropsicólogo também aponta um outro indício de que a criança possa ser superdotada: são crianças que têm dificuldades de aprender com o modelo tradicional da escola. "Às vezes, inclusive, são confundidos os diagnósticos de hiperatividade, TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade] ", afirma.

Gabriel é apaixonado por astronomia, astrofísica e pelo Albert Einstein. Nunca vou esquecer uma cena, quando ele tinha quatro anos e descobriu que o Einstein não era mais vivo. Ele chorava na cozinha de casa e falava 'mamãe, como vou perguntar todas as dúvidas que eu tenho?'"
Carla Bastos, mãe de Gabriel

A escola está capacitada? Um dos desafios apontados pelos pais é a falta de preparação da escola e dos profissionais da educação. Pela legislação, crianças superdotadas têm os mesmos direitos de alunos da educação inclusiva.

Isso significa, por exemplo, que elas têm direito ao AEE (Atendimento Educacional Especializado), acesso a escola pública e as salas de recursos — espaços usados para apoiar a aprendizagem do aluno focado nas necessidades individuais, em um trabalho personalizado em paralelo ao da sala regular.

A sociedade, principalmente os profissionais da educação, precisam se especializar no assunto, porque quando vamos explicar que nossos filhos são superdotados ficamos em uma situação complicada. Parece que você está mostrando um bicho de estimação, adestrado. É horrível"
Fernando Santos, pai de Guilherme e Leonardo

O vice-presidente da Mensa Brasil afirma ainda que, geralmente, são crianças pouco compreendidas. "Não existe capacitação para atendimento dessas crianças", diz.

Mais desafios. Entre as principais dificuldades relatadas pelas famílias está o receio da perda de interesse pela escola e o aprendizado. "O Leonardo não pergunta mais sobre assuntos do espaço, por exemplo, e a gente não quer que ele desanime. Queremos que ele continue se desenvolvendo", diz Fernando Santos.

Carla Bastos também se preocupa com o lado cognitivo, mas diz que prioriza o desenvolvimento emocional do filho. "Existe por padrão próprio dele uma exigência muito grande e, obviamente, se o Gabriel passa a ser cobrado se torna um peso ainda maior. Então queremos manter o emocional dele organizado", afirma.

Recentemente, Gabriel enviou uma carta para uma escola particular da capital paulista para conseguir uma bolsa. Como a família não consegue arcar com os custos, essa foi a forma que ele próprio encontrou para ser aluno do colégio. Eles aguardam uma resposta da instituição.

O menino já conquistou mais de 70 prêmios em olimpíadas do conhecimento e criou no ano passado um fórum para discutir e aprender sobre diversos temas.

Classificação do QI

  • Gênio - acima de 144 pontos
  • Superdotado - de 130 a 144 pontos
  • Acima da média - de 115 a 129 pontos
  • Média alta - de 100 a 114 pontos
  • Média baixa - de 85 a 99 pontos
  • Abaixo da média - de 70 a 84 pontos
  • Baixo - de 55 a 69 pontos Muito baixo - menos de 55 pontos

Superdotados são gênios? O vice-presidente da Mensa e o neuropsicólogo Damião Silva explicam que na definição de gênio não deve ser considerada apenas o nível de QI mas também se a pessoa trouxe uma contribuição de mudança da humanidade.

"Como Albert Einstein com a teoria da relatividade", diz Silva.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Guilherme se comunica em três línguas, mas sabe contar em sete idiomas, diferentemente do informado na versão inicial. O texto foi corrigido.