'Veem um idoso, não enxergam um aluno': ele passou em medicina aos 64 anos
Francisco Fabiano Bessa foi aprovado em medicina aos 64 anos após 40 anos longe das salas de aula. Ex-bancário, o idoso, hoje com 65, decidiu voltar a estudar depois de perder o restaurante que administrava durante a pandemia, em São Luís.
Ele passou a estudar sozinho nas madrugadas — enquanto trabalhava de garçom durante o dia para se manter. Foram quase dois anos de preparo até a aprovação na UNDB (Unidade de Ensino Superior Dom Bosco), uma instituição particular.
"No dia em que fui fazer vestibular, me surpreendi, porque era muita gente para tão poucas vagas, e muita gente jovem. O segurança tentou me barrar e falou: 'epa, aqui é só para quem vai prestar vestibular'", conta ele.
Eu disse: 'sim, meu amigo, eu vou fazer, está aqui meu cartão de inscrição'. Ele me pediu muitas desculpas, até quando saí da prova, mas hoje, quando chego para a aula, a gente brinca um com o outro. Está impregnado na sociedade, veem um idoso e não o enxergam prestando vestibular
Francisco Fabiano Bessa
'Seduzido' pelo banco
Natural de Taboleiro Grande, no interior do Rio Grande do Norte, o ex-bancário veio de uma família de agricultores com 10 irmãos.
Ele deixou a cidade pequena ainda na juventude para estudar em Natal, onde um tio o incentivou a prestar vestibular para medicina — a carreira é tradição na família, que tem 37 aprovados.
Na época, ele até pensou em tentar se tornar médico, mas acabou entrando no Banco do Brasil porque queria ajudar a família e foi "seduzido" pelo salário de funcionário concursado.
O emprego o obrigava a se mudar com frequência, com transferências para 16 agências ao longo de 17 anos. Ele fez um acordo para deixar a vaga em 1996, quando já era gerente geral em João Pessoa.
Consegui um dinheiro que parecia que não ia acabar, mas montei um restaurante que acabou 'quebrando' durante a pandemia. Eu já estava com um pouco de dificuldade antes e depois resolvi de vez que queria estudar
Ele, no entanto, acabou esbarrando nos próprios preconceitos.
Eu ficava meio assustado: 'será que eu vou conseguir, será que vou passar?'. Só depois fui vendo que a idade não interferia. Por exemplo: na primeira vez que prestei para medicina descobri que estava com covid-19 e fiquei vinte e poucos dias internado, saí já perto do vestibular, mas ainda assim fui bem. Só não o suficiente para a prova tão concorrida
Com o apoio dos filhos, Fabiano continuou estudando e acabou aprovado.
Aulas o dia todo
Agora, ele teve de largar o trabalho para seguir a rotina da faculdade, com aulas das 7h30 às 18h.
Três pessoas da minha turma já desistiram, bem novinhas, porque é pesado, temos que abdicar de muitas coisas. Todo mundo tem tablet e ainda estou com o meu celularzinho. Quando preciso, colegas me emprestam celulares mais modernos. Estou entusiasmado, animado e já vou à UBS para acompanhar os atendimentos básicos
Quero ser médico dos 'pequenos'
Apesar de ainda ter uma longa trajetória pela frente, Francisco já está certo sobre a área em que pretende atuar: medicina da família, principalmente em áreas de difícil acesso.
"Quero o dinheiro para sobreviver, mas o meu maior objetivo é trabalhar nas comunidades quilombolas. Até entendo que muitos médicos não queiram ir pela falta de tecnologia, de estrutura, mas queria ser médico dos pequenos, da assistência básica", conta.
O tempo até se formar não é visto como um impedimento. "Tenho 65 anos, meu pai morreu com 94, no ano passado, então eu me vejo pelo menos 20 anos como médico"
Só quero dar um conselho: tem muita gente insatisfeita com a profissão e que não tem coragem de enfrentar um vestibular para outro curso com 30 ou 40 anos, por achar que está velho demais. É só enfrentar. Nós temos um presidente da República com 77 anos de idade, o dos Estados Unidos tem 80
Ele agora enfrenta dificuldades de outro tipo: precisa conseguir um financiamento estudantil, já que a mensalidade custa cerca de R$ 11,9 mil. "Fiz o vestibular e a família pagou minha matrícula. Agora estou lutando pelo Fies [financiamento estudantil] para seguir com o meu sonho", diz Bessa.
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