Partidos pedem investigação contra governo do PR por recolhimento de livros
A federação PSOL-Rede na Câmara dos Deputados entrou com representação junto ao MPF (Ministério Público Federal) solicitando uma investigação contra o governo do Paraná após a Secretaria da Educação do estado determinar o recolhimento do livro "O Avesso da Pele", do autor e colunista do UOL Jeferson Tenório, nas escolas.
O que aconteceu
Pedido pede investigação de condutas. Os citados são o governador Ratinho Júnior (PSD), o Secretário de Educação do Estado do Paraná, Roni Miranda Vieira, e diretor da DEDUC (Diretoria de Educação do Estado do Paraná), Anderfábio Oliveira dos Santos, e demais possíveis envolvidos. O documento também pede a abertura de inquérito para apurar medidas semelhantes de "censura a livros" em outros estados.
O livro tem sido alvo de tentativa de censura por grupos bolsonaristas nos últimos dias por fazer parte da lista do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Vencedora do Prêmio Jabuti em 2021, a obra foi incluída no programa durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Racismo e violência são temas centrais da narrativa. Na obra, o autor retrata a história de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre.
Representação visa "enfrentar a censura a livros que tratem da temática racial e dos efeitos do racismo na sociedade brasileira". O texto destaca o Estatuto da Igualdade Racial, que protege o direito à educação da população negra e as suas contribuições para a formação da identidade nacional através da educação, citando que os governos devem promover livros que abordem o assunto.
Para os deputados, medida tomada no Paraná viola lei federal. Os parlamentares discorreram que o estado, a secretaria e a DEDUC descumprem a obrigatoriedade do estudo da história pela população negra nas escolas de nível fundamental e médio, acrescentando que a decisão é baseada em um "interpretação distorcida e descontextualizada da obra". A ação cita a reportagem do UOL sobre o recolhimento.
Documento aponta que medida "não se trata de ação isolada". Os parlamentares alegam que governadores ligados a Bolsonaro já ordenaram o recolhimento de livros, incluindo clássicos da literatura brasileira, em outros estados.
Deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) diz que ofício é "medida antidemocrática". Para a deputada, que é líder da federação PSOL-Rede, a ação segue uma estratégia de extrema-direita mundial e seria parte de um projeto que pretende excluir da educação básica as contribuições da população negra para o enfrentamento do racismo.
Na prática, mira em apagar da história as contribuições dos negros para a construção dessa nação, e censurar nas escolas as discussões sobre os efeitos da escravização, e de como o pós-abolição foi insuficiente para garantir a igualdade política, econômica e social do negro na sociedade.
Erika Hilton, deputada federal
"Medida necessária", diz secretaria
A Secretaria da Educação do Paraná declarou que o recolhimento dos livros "se faz necessário neste primeiro momento". A análise do livro é necessária porque, "em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo explícito utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado)", diz a pasta, em nota enviada ao UOL nesta terça.
Secretaria argumenta que medida ocorre "em respeito aos próprios estatutos legais da lei brasileira, de salvaguarda à criança e ao adolescente, no que diz respeito à exposição aos referidos conteúdos". A secretaria ainda citou que conduz frequentemente a revisão dos materiais incluídos no PNLD literário, incluindo a obra de Jeferson Tenório.
A medida visa apoiar os professores no trabalho pedagógico aliado ao currículo e aos objetivos de aprendizagem em cada uma das etapas de ensino a partir do conteúdo exposto nas obras literárias disponíveis. (...) Ressalte-se que a temática abordada na referida obra literária faz-se primordial, sendo de suma importância no contexto educacional.
Secretaria da Educação do Paraná, ao UOL
Recolhimento foi determinado em ofício
Recolhimento foi determinado em ofício. O documento, assinado pelo diretor da DEDUC, Anderfábio Oliveira dos Santos, determina que o Núcleo Regional de Educação faça a coleta dos livros nas instituições de ensino sob sua jurisdição. Ao UOL, a secretaria afirmou que o ofício foi assinado na segunda-feira (4).
Período para a coleta dos livros vai até a próxima sexta-feira (8). O diretor argumentou que a recolha foi determinada "tendo em vista a necessidade e a importância da orientação de encaminhamentos pedagógicos a partir dos livros que fazem parte do Programa PNLD, com foco na construção das aprendizagens em cada uma das etapas de escolarização".
Obra passará por "análise pedagógica e posterior encaminhamento", cita ofício. Não há mais informações sobre quem fará a análise, nem uma data para o fim dessa avaliação. O ofício ainda agradece a colaboração de todos e se coloca à disposição para demais esclarecimentos.
'Mais uma violência', diz autor
Comentando o ofício para o recolhimento da obra nas escolas de Curitiba (PR), o escritor cita "atitude inconstitucional" na ação. "É importante lembrar que nenhuma autoridade, seja ela diretora, secretário, vereador, deputado, governador ou presidente, tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. É um ato que fere um dos pilares da democracia, que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada."
São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura.
Jeferson Tenório, escritor e colunista do UOL
Críticas ao livro ocorreram após publicação nas redes
As críticas ao livro começaram após a publicação, em redes sociais, de uma diretora de uma escola do Rio Grande do Sul. "Lamentável o governo federal, através do MEC [Ministério da Educação], adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio", escreveu em seu perfil.
A obra foi incluída no programa por meio de uma portaria de setembro de 2022 após passar por uma seleção do edital de 2019, segundo a Secretaria de Comunicação. O livro foi aprovado para ser ofertado aos alunos do ensino médio junto de mais de 500 outras obras literárias.
Com a publicação da diretora, políticos bolsonaristas e perfis apoiadores do ex-presidente também criticaram a oferta do livro nas escolas. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que a obra tem "trechos com descrições explícitas de atos sexuais".
Os críticos também afirmaram que a escolha do livro foi feita pelo governo Lula (PT). O PNLD, no entanto, dá autonomia para que os professores e gestores escolares façam a seleção das obras que querem receber.
O livro faz parte também das obras literárias abordadas no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), considerado o mais difícil do país.
Após a publicação da diretora, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação do RS chegou a orientar a retirada do livro das bibliotecas das escolas. Ao UOL, a secretaria da Educação do estado afirmou que não orientou a retirada da obra.
Mais de 250 escritores, artistas e intelectuais se uniram para denunciar a censura sofrida por Tenório. "Ferem de morte a democracia, o direito de um autor se expressar, tiram a oportunidade de alunos entrarem em contato com textos escritos que foram observados e selecionados por comissões especializadas e preparadas para levar qualidade ao ensino", diz nota do grupo.
Como funciona o PNLD
O PNLD é um programa de mais de 80 anos e é avaliado positivamente por especialistas e pela comunidade escolar. Os livros incluídos passam antes por avaliação de professores, mestres e doutores que fazem parte do banco de avaliadores do MEC.
As escolas têm acesso a um catálogo após a aprovação dos especialistas. Os próprios professores municipais e estaduais fazem as escolhas das obras, que também têm a autorização dos gestores escolares.
O programa tem 95% de adesão das redes de ensino do país, segundo o MEC. A permanência no PNLD é voluntária.
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