Conteúdo publicado há 8 meses

Alvo de bolsonaristas, O Avesso da Pele será recolhido de escolas no Paraná

A Secretaria da Educação do Paraná determinou o recolhimento de exemplares do livro "O Avesso da Pele", do autor e colunista do UOL Jeferson Tenório. Os exemplares têm sido alvo de tentativa de censura por grupos bolsonaristas nos últimos dias por fazer parte da lista do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).

Vencedora do Prêmio Jabuti em 2021, a obra foi incluída no programa durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

O que aconteceu

Recolhimento foi determinado em ofício. O documento, assinado pelo diretor Anderfábio Oliveira dos Santos, determina que o Núcleo Regional de Educação faça a coleta dos livros nas instituições de ensino sob sua jurisdição. Ao UOL, a secretaria afirmou que o ofício foi assinado na segunda-feira (4).

O livro premiado é do escritor e professor Jeferson Tenório, colunista do UOL. Na obra, ele retrata a história de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre — o racismo e a violência são temas centrais da narrativa.

Período para a coleta dos livros vai até a próxima sexta-feira (8). O diretor argumenta que a recolha foi determinada "tendo em vista a necessidade e a importância da orientação de encaminhamentos pedagógicos a partir dos livros que fazem parte do Programa PNLD, com foco na construção das aprendizagens em cada uma das etapas de escolarização".

Obra passará por "análise pedagógica e posterior encaminhamentos", cita ofício. Não há mais informações sobre quem fará a análise, nem uma data para o fim dessa avaliação. O ofício ainda agradece a colaboração de todos e se coloca à disposição para demais esclarecimentos.

Ofício encaminhado pelo NRE de Curitiba foi compartilhado pelo autor nesta terça. A orientação no ofício, assinado pela chefe do NRE do município, é que os exemplares sejam colocados em envelopes ou caixas, com identificação da unidade escolar e a quantidade de livros devolvidos. O local de entrega, para este núcleo, é no setor pedagógico do próprio NRE de Curitiba.

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná informou na quinta-feira (7) que até o momento não havia recebido nenhuma notificação do Ministério Público Federal a respeito da representação mencionada. "Estamos abertos ao diálogo e prontos para colaborar", acrescentou.

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'Medida necessária', diz secretaria

Em nota ao UOL, a Secretaria da Educação do Paraná declarou que o recolhimento dos livros "se faz necessário neste primeiro momento". Segundo a pasta, a análise do livro é necessária "fato de que, em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo explícito utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado)".

Pasta argumenta que medida ocorre "em respeito aos próprios estatutos legais da lei brasileira, de salvaguarda à criança e ao adolescente, no que diz respeito à exposição aos referidos conteúdos". A secretaria ainda citou que conduz frequentemente a revisão dos materiais incluídos no PNLD literário, incluindo a obra de Jeferson Tenório.

A medida visa apoiar os professores no trabalho pedagógico aliado ao currículo e aos objetivos de aprendizagem em cada uma das etapas de ensino a partir do conteúdo exposto nas obras literárias disponíveis. (...) Ressalte-se que a temática abordada na referida obra literária faz-se primordial, sendo de suma importância no contexto educacional.
Secretaria da Educação do Paraná, ao UOL

'Mais uma violência', diz autor

Comentando o ofício para o recolhimento da obra em Curitiba, o escritor cita "atitude inconstitucional" na ação. "É importante lembrar que nenhuma autoridade, seja ela diretora, secretário, vereador, deputado, governador ou presidente tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. É um ato que fere um dos pilares da democracia, que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada."

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São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura.
Jeferson Tenório, escritor e colunista do UOL

Críticas ao livro ocorreram após publicação nas redes

As críticas ao livro começaram após a publicação, em redes sociais, de uma diretora de uma escola do Rio Grande do Sul. "Lamentável o governo federal, através do MEC [Ministério da Educação], adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio", escreveu em seu perfil.

A obra foi incluída no programa por meio de uma portaria de setembro de 2022 após passar por uma seleção do edital de 2019, segundo a Secretaria de Comunicação. O livro foi aprovado para ser ofertado aos alunos do ensino médio junto de mais de 500 outras obras literárias.

Com a publicação da diretora, políticos bolsonaristas e perfis apoiadores do ex-presidente também criticaram a oferta do livro nas escolas. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que a obra tem "trechos com descrições explícitas de atos sexuais".

Os críticos também afirmaram que a escolha do livro foi feita pelo governo Lula (PT). O PNLD, no entanto, dá autonomia para que os professores e gestores escolares façam a seleção das obras que querem receber.

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O livro faz parte também das obras literárias abordadas no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), considerado o mais difícil do país.

Governo do RS diz que não orientou retirada de livro

Após a publicação da diretora, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação chegou a orientar a retirada do livro das bibliotecas das escolas. Ao UOL, a secretaria da Educação do estado afirmou que não orientou a retirada da obra.

Segundo a pasta, a 6ª coordenadoria vai seguir a orientação e "providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários". "O uso de qualquer livro do PNLD deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores", diz nota enviada à reportagem.

Mais de 250 escritores, artistas e intelectuais se uniram para denunciar a censura sofrida por Tenório. "Ferem de morte a democracia, o direito de um autor se expressar, tiram a oportunidade de alunos entrarem em contato com textos escritos que foram observados e selecionados por comissões especializadas e preparadas para levar qualidade ao ensino", diz nota do grupo.

Como funciona o PNLD

O PNLD é um programa de mais de 80 anos e é avaliado positivamente por especialistas e pela comunidade escolar. Os livros incluídos passam antes por avaliação de professores, mestres e doutores que fazem parte do banco de avaliadores do MEC.

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As escolas têm acesso a um catálogo após a aprovação dos especialistas. Os próprios professores municipais e estaduais fazem as escolhas das obras, que também têm a autorização dos gestores escolares.

O programa tem 95% de adesão das redes de ensino do país, segundo o MEC. A permanência no PNLD é voluntária.

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