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Como a Índia revolucionou a matemática séculos antes do Ocidente

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Imagem: iSotck

Marcus du Sautoy

BBC, "A História da Matemática"

09/03/2019 17h38

Assim como a China, a Índia descobriu os benefícios de um sistema decimal há muito tempo. Eles, inclusive, já o utilizavam no século 3. É o mesmo sistema que usamos atualmente, em que a posição numérica indica unidades, dezenas, centenas, milhares e assim por diante.

Nós não sabemos direito como chegaram ao sistema decimal, mas os indianos certamente o aperfeiçoaram, estabelecendo as bases para os números de um a nove que são usados em todo o mundo. Eles também inventaram um novo número: zero.

Nada além de um espaço vazio

Seu primeiro uso conhecido data do século 9, mas é provável que tenha sido usado centenas de anos antes disso. Esse estranho número está gravado nas paredes de um pequeno templo dentro da fortaleza de Gwalior, na Índia Central.

Tornou-se um lugar cultuado por matemáticos, porque ele hospeda o "início" do número zero. No antigo Egito, na Mesopotâmia e na China, havia um zero, mas como marcador, um espaço vazio.

Foram os indianos que o transformaram em número de fato, um salto conceitual que revolucionou a matemática. Desde então, tornou-se possível formar números de tamanhos astronômicos e de uma maneira muito eficiente.

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O zero mais antigo do mundo, em Gwalior
Imagem: Image caption

Como se chegou ao zero?

Nós nunca saberemos com certeza, mas é possível que a ideia e o símbolo usados para o zero tenham se originado de cálculos feitos no chão com pedras. Quando as pedras foram retiradas, um recuo redondo permaneceu no lugar, representando o movimento de algo para nada.

Mas também pode ter havido uma razão cultural para a invenção desse número. Os conceitos de nada e de eternidade faziam parte do sistema de crenças dos antigos índios. Tanto a religião budista quanto a hindu adotam o conceito de nada como parte de seus ensinamentos.

Logo, não deve ter sido algo tão surpreendente que uma cultura que abraçava entusiasticamente o nada pudesse acomodar a noção de um zero. Os indianos até usaram a palavra "shunya", que representa a ideia filosófica do vazio, para representar o novo termo matemático.

Do zero ao infinito

Brahmagupta, famoso matemático indiano do século 7, demonstrou algumas das propriedades essenciais do zero. Suas regras básicas para cálculos envolvendo zero ainda são ensinadas em escolas de todo o mundo.

1 + 0 = 1
1 - 0 = 1
1 x 0 = 0

Mas Brahmagupta encontrou mais quando tentou dividir 1 por 0.

Qual número multiplicado por zero é igual a um? A solução exigiu um novo conceito matemático: o infinito.

Só isso daria sentido a divisões por zero. E esse avanço também foi obra de um matemático indiano, Bhaskara, que o inventou no século 12.

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Representação numérica indiana do século 9 já era muito similar à que utilizamos atualmente em boa parte do mundo
Imagem: Image caption

Como assim?

Se você pegar uma fruta e cortá-la ao meio, você terá dois pedaços. Se você cortar em três pedaços, terá três. Outras divisões resultarão em frações cada vez menores, com mais e mais peças. Eventualmente, você teria infinitas partes.

Bhaskara, então, raciocinou que um dividido por zero é igual ao infinito. Mas os cálculos usando zero foram além. Embora fosse aceito que 3 menos 3 equivalia a zero, qual seria o resultado de 3 menos 4?

Parece que você não tem nada, mas os indianos perceberam que isso era um novo tipo de nada: os números negativos. Os indianos conseguiram chegar aos números negativos e ao zero porque os conceberam como entidades abstratas.

Os números não eram apenas algo usado para contar ou medir; eles tinham vida, flutuavam sem amarras ao mundo real. Essa linha de pensamento gerou uma explosão de ideias matemáticas.

X e Y

A abordagem abstrata indiana para a matemática revelou novas maneiras de resolver equações quadráticas --aquelas que incluem números quadrados.

A compreensão de Brahmagupta, nascido em 598, dos números negativos permitiu-lhe ver que as equações quadráticas teriam sempre duas soluções. E que uma delas poderia ser negativa.

Ele foi ainda mais longe resolvendo equações com duas variáveis (X e Y).

Esse movimento só aconteceria no Ocidente em 1657, quando o matemático francês Pierre de Fermat apresentou sua solução, alheio ao que seu colega indiano havia encontrado mil anos antes.

Brahmagupta também desenvolveu uma nova linguagem para expressar a solução dessas equações. Enquanto experimentava maneiras de apresentar seus cálculos, ele usou as letras iniciais de dois nomes de cores para representar variáveis. A decisão resultou na adoção de X e Y, que ainda usamos até hoje.

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Eventualmente, o fracionamento resultará em infinitas peças
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Não terminou aí

Os matemáticos indianos também foram responsáveis por mais descobertas em trigonometria. É verdade que os gregos foram os primeiros a desenvolver o que podemos chamar de "dicionário" que traduzia a geometria em números e vice-versa. Mas os indianos foram mais longe.

Eles usaram trigonometria para estudar o mundo ao seu redor, o que inclui navegar pelos mares e calcular distâncias espaciais. Matemáticos indianos, por exemplo, conseguiram calcular a distância entre a Terra e a Lua e entre a Terra e o Sol.

Os matemáticos da Índia também solucionaram o mistério de um dos números mais importantes da matemática: Pi.

Pi é o valor numérico da razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro. É um número que aparece em todos os tipos de cálculos, mas que é especialmente útil para engenheiros e arquitetos, já que toda medida envolvendo curvas requer Pi.

Durante séculos, os matemáticos procuraram o valor preciso de Pi. Mas foi no século 6 que o matemático indiano Aryabhata deu uma aproximação bastante precisa: 3,1416.

Ele também usou o Pi para medir a circunferência da Terra, chegando ao valor de 39.968 km, um número muito próximo daquele que conhecemos hoje (40.075 km).

Madhava percebeu que, adicionando e subtraindo diferentes frações, era possível determinar uma fórmula exata para Pi. Essa fórmula ainda é ensinada em muitas universidades ao redor do mundo como se tivesse sido descoberta pelo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz no século 17.