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O direito penal na escola: os deveres do carrasco e os direitos do acusado

Guilherme Perez Cabral

13/10/2015 06h00Atualizada em 14/10/2015 07h44

A aplicação de uma suspensão ou outra sanção escolar mais ou menos rigorosa, ao aluno, independentemente da falta praticada, exige o respeito a certos direitos fundamentais. O exercício da autoridade, pelo professor, não pode se perverter em autoritarismo.

Se o estudante está sendo “acusado” de fazer algo errado, seja lá o que for, e se essa acusação pode acarretar uma punição, a escola tem de cumprir procedimentos básicos, inerentes a uma sociedade que, pelo menos no papel, não é mais ditatorial. No Estado Democrático de Direito, todos estão submetidos às leis. Todos devem cumpri-las, portanto, tanto quem quer escapar de castigos, como quem quer ser carrasco.

Em primeiro lugar, não pode a escola, em nenhuma hipótese, “condenar” um membro de sua comunidade, sem lhe dar a chance de se defender. Trata-se de princípio constitucional: a “ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”, direito dos “acusados” em geral, do bandido reincidente ao aluno baderneiro. A punição deve ser precedida de um procedimento administrativo, o “devido processo legal”, em que seja esclarecida qual é a acusação e assegurada, ao acusado, a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos, seus motivos, suas desculpas.

Nesse sentido, a prática tão comum de mandar o aluno, “sumariamente” para fora da sala, porque está atrapalhando o andamento da aula, só pode funcionar como uma medida excepcionalíssima, último recurso, quando todos os outros se mostraram infrutíferos. E, o mais importante, não pode ser um ato isolado. Não exclui a conversa posterior com o estudante, para que se defenda, explique-se. 

Não se admite, enfim, em nenhum caso, a alegação de que a falta é “pública e notória”, de que se está diante de “verdades sabidas”. É muito perigoso acreditar que os fatos têm a versão correta e que temos, em nossas mãos, sua verdade.

Por prevalecer, entre nós, a concepção de sanção escolar como uma punição, uma expiação – ao mal da falta impõe-se o mal da pena –, os princípios de direito penal devem ser tomados de empréstimo. Cito alguns.

Primeiro, o princípio da presunção de inocência. Ninguém pode ser punido, até que se apure, com cuidado, o fato. E, na dúvida sobre a autoria, aplica-se o “in dubio pro reo”: nada de suspensões a supostos autores da falta.

Nada, também, de punir a classe toda pela brincadeira de mau gosto de um só. Afinal, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, prevê a Constituição. É descabida a tão utilizada advertência: “enquanto não aparecer quem fez isso, todos serão prejudicados”. Ninguém pode ser punido pela falta que não praticou, nem prejudicado por se negar a entregar o possível brincalhão. Não pode.

Provas obtidas por “meios ilícitos” não são aceitas. Noutros termos, a escola não pode agir errado para descobrir o autor da falta. Os fins não justificam os meios. Não vale, por exemplo, violar a privacidade do estudante, mexendo em sua mochila, sem autorização, ou “interceptando” bilhetes e devassando seu conteúdo. Também não pode.

Outro princípio, a individualização da sanção. Se a intenção é castigar alunos que brigaram, provocaram alguém ou depredaram algo, a escola tem de ter o cuidado de, apurando o envolvimento de cada um, “punir” cada envolvido de acordo com sua participação. A sanção tem de ser proporcional à culpa.

Há outros princípios na nossa Constituição. É fundamental a leitura e aplicação atenta de todos eles. Eles devem estar refletidos no Regimento da escola. Devem ser conhecidos e praticados no cotidiano escolar. Afinal, só é possível aprendê-los vivenciando-os.

Aplicar sanções escolares implica responsabilidades. Na escola, lugar para aprender, seu exercício equivocado e arbitrário, deixa más lições. Ensina a arbitrariedade. Nega o Estado Democrático de Direito na direção da qual a educação deve caminhar.

Se não for por ideal democrático, que se respeite a Constituição por interesse pessoal, por egoísmo. Afinal, lá na frente, o aluno pode se tornar o juiz. E você o acusado (injustamente?).