Pokémon Go: mais um problema a administrar ou um recurso a utilizar?
A febre do momento que, segundo consta, já causou atropelamentos, quedas de penhascos e outros graves acidentes, de fato vem levando multidões a ruas e parques à caça de bichinhos virtuais, os pokémons.
Recentemente lançado no Brasil, já nos primeiros dias o jogo era assunto de grupos, não apenas crianças, mas também de jovens executivos em elevadores e ruas que concentram escritórios em São Paulo. Um desses dias encontrei minha filha de 19 anos, estudante de medicina, num cantinho, quase enfiada entre a porta do armário e a parede de casa, “caçando” um pokémon. E fui informada por ela que moramos num local muito privilegiado para essa atividade. Acabo de ver uma notícia de que um padre, num município paulista, que ao notar uma estranha aglomeração de jovens na praça em frente de sua igreja, descobriu que o local (incluindo a própria igreja) é um “campo de batalha pokémon”. Definiu estratégias e ações para atrair potenciais fiéis que ali se aglomeravam, com sucesso, pelo que consta na matéria.
Na educação, também se tem falado sobre o Pokémon Go. Tenho tentado filtrar as discussões, buscando separar o que me parece mito do que tem apelo à realidade. Tarefa inglória, se pensarmos que o legal no jogo é exatamente misturar as duas coisas. No plano pessoal, isso é bem mais complicado: luto constantemente para marcar e diferenciar o mundo real do mundo da fantasia para minha outra filha, que tem Síndrome de Down.
Apaixonada pelos Cavaleiros do Zodíaco, ele “namora” os personagens e, entre outras, sonha com seu casamento – cada hora com um deles. Ainda estou pensando como o Pokémon Go vai se encaixar nisso tudo.
Como resultado, minha curiosidade (pessoal e profissional) sobre o tal jogo acirrou-se. E com certeza não estou sozinha nessa posição. Vasculhando a internet, descobri muita coisa sobre possíveis usos educacionais do Pokémon Go. A maioria delas trata da inovação de trabalhar com o conceito de realidade ampliada, num jogo gratuito, disponível a todos que tenham um smartphone. Uma visão bastante impregnada pelas maravilhas da inovação tecnológica. Mas para mim, o que interessa é identificar possíveis usos desse jogo, e seu apelo junto aos jovens, como recurso de aprendizagem.
Descobri que nos países onde está disponível há mais tempo, já há experiências e pesquisas sobre inúmeras possibilidades de utilização para tais fins. A mais óbvia diz respeito ao desenvolvimento de habilidades de localização espacial: navegação, pontos cardeais, etc. Além disso, o fato de que, ao contrário dos demais videogames, ele pressupõe atividades ao ar livre e interação com o local traz outros potenciais. Caminhar pela cidade, conhecendo locais de relevância é um dos seus pontos fortes, o que pode ser utilizado para animar os tradicionais estudos do meio. Sem falar em educação física, cuja aplicação é também bem óbvia. Há defensores do seu potencial como recurso complementar para a alfabetização, uma vez que requer razoável quantidade de leitura. O fato de cada pokémon ter características específicas - alguns se assemelham a aves, outros a peixes e assim por diante, pode contribuir para o trabalho de ciências e meio ambiente, por exemplo. Nessa mesma linha, matemática pode ser utilizada para estimar a probabilidade de encontrar pokémons em determinado local e para trabalhar com os pontos, necessários para prepará-los para batalhas. E assim por diante. Por conta de tudo isso (e muito mais), educadores reconhecem no jogo o seu potencial interdisciplinar.
Em resumo, conhecer o jogo e identificar possíveis formas de incorporá-lo ao trabalho escolar vem sendo algo explorado por professores e pesquisadores. Mais que isso, parece ser uma importante estratégia para os professores, que precisam, cada vez mais, saber encantar os alunos para engajá-los às aprendizagens. Nada de novo aqui, apenas mais um recurso que está disponível à grande maioria dos professores e dos alunos. É questão de querer e de aprender a usá-lo, assim como tantos outros. Nada difícil: garanto que os próprios alunos podem ajudar. A alternativa é proibir os celulares e os recursos que vêm com eles, que tanto encantam os alunos, e continuar usando apenas giz e lousa.
Mas o que me pareceu mais interessante em minha pesquisa até agora é exatamente aquilo que temo em relação a minha filha. A mistura da “realidade com a fantasia”. Encontrei o trabalho de um professor australiano, Craig Smith (http://www.autismpedagogy.com/), que vem estudando o efeito do uso do Pokémon Go no processo de aprendizagem de crianças com autismo. Seus achados indicam que “o uso do jogo dentro e fora da sala de aula vem ampliando as habilidades sociais dos estudantes. E que essas crianças vêm se mostrando mais engajadas com suas aprendizagens.”
No seu trabalho com autistas, Craig afirma que “o importante é encontrar aquilo que interessa às crianças e usá-lo com uma janela para o seu mundo, de forma a criar pontes, oportunidades, para maiores aprendizagens.” Para ele, o Pokémon Go é uma ferramenta que possibilita isso e, adicionalmente, tem a vantagem de facilitar o engajamento das crianças em atividades sociais: caminhar pelas ruas (o que pode ser algo muito complexo para alguns deles) e, inclusive, conversar com outras pessoas sobre o jogo, mediados pelo smartphone. O que, por si, já são ganhos importantes. Para ele, o Pokémon Go se mostra como um recurso relevante para abrir portas para a aprendizagem de todas as crianças, autistas ou não.
Como tudo que é novo, cabe ainda muito estudo e avaliação sobre os potenciais desse jogo como recurso educacional. Com certeza ele não nasceu com essa finalidade. Mas, como mostram artigos e estudos recentemente publicados, pode ser incorporado com tal.
É certo que nenhum jogo, ou qualquer que seja o recurso, dará conta de resolver de forma definitiva problemas de aprendizagem. Mas o importante é que os educadores e a sociedade estejam abertos para incorporar novos recursos para o encaminhamento de soluções de nossas dificuldades. Que utilizem aquilo que faça sentido em seus projetos pedagógicos, e que interesse aos alunos, de forma a transformar a aprendizagem em algo prazeroso e significativo. Isso Não tem nada de novo.
Novos recursos, entre os quais o Pokémon Go parece se enquadrar, abrem horizontes para o encaminhamento de novas formas de abordar e trabalhar questões de aprendizagem, viabilizando maiores oportunidades a todos.
De minha parte, continuarei pesquisando e vou experimentar formas de usar o Pokémon Go com minha filha, brincando e aprendendo juntas.
http://www.independent.co.uk/news/education/education-news/pok-mon-go-classroom-help-autistic-children-australia-craig-smith-a7144946.html
http://www.edweek.org/ew/articles/2016/08/03/educators-weigh-learning-value-of-pokemon-go.html?qs=pokemon+go+inmeta:Cover_year%3D2016
http://www.autismpedagogy.com/projects
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