Primeira novela educativa do Brasil sofreu com censura da ditadura, diz ator de "Gabriela"
A primeira novela educativa do Brasil, “João da Silva”, de 1973, foi um projeto pioneiro de EAD (Ensino a Distância) mas sofreu com a censura dos anos de chumbo do regime militar, afirma Nelson Xavier, que hoje integra o elenco de “Gabriela”, na TV Globo. O ator foi o protagonista do curso público de supletivo de 1º grau (hoje ensino fundamental) e é enfático: “Era asfixiante. Era realmente uma novela de ditadura”.
O presidente do Brasil, na época, era Emílio Garrastazu Médici, com um mandato conhecido pela truculência e por denúncias de tortura e morte. Xavier desabafa e diz que o projeto foi “a pior coisa” que fez na carreira. “Estava completamente sem emprego, com problemas para trabalhar por conta da ditadura. Também estava muito perdido ideologicamente, então, aceitei o trabalho como tábua de salvação”.
Segundo o “Almanaque da Telenovela Brasileira”, “João da Silva” estreou na TV Rio em 26 de novembro de 1973 e foi exibida até abril de 1974. No mês seguinte, o curso passou a ser transmitido pela Globo e, em julho, foram realizadas as provas finais, organizadas pela então Secretaria de Educação da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro. A novela foi reprisada pelas tevês Globo, Tupi, Cultura e TVE e, ao todo, ficou no ar por oito anos, até 1981. Antes de “João da Silva”, já havia no Brasil projetos de EAD via rádio ou por correspondência.
Ao ler os primeiros capítulos, o ator até achou interessante a saga do nordestino que encontra a sobrevivência no “Sul Maravilha”. Mas, quando começou a gravar, cerca de três meses após assinar o contrato, a história estaria deturpada. “Uma junta de professores, que na verdade eram censores, alteraram a novela, tornando-a burra, travada, completamente artificial. O imigrante nordestino, sem nenhum estudo, tinha de falar de acordo com a norma culta. Não retratava em nada a realidade”.
“Sei que foi uma mancha em minha carreira. Nos anos 1960, realmente queria fazer a revolução socialista no Brasil e trabalhava no movimento de cultura popular em Pernambuco. Mas, dez anos depois, estava fazendo essa coisa horrível, trabalhando no serviço público da ditadura. Isso não é uma coisa que me tortura mais, mas já me torturou”, desabafa. “Um ano antes tinha ganhado um prêmio Padre Anchieta por conta de uma peça que contava a história de um funcionário público que não sabia dizer ‘não’. A novela espelhou exatamente isso. No teatro, representei aquilo que me tornaria um ano depois... Não consegui dizer o ‘não’ que deveria ter dito.”
Falta memória na produção
De acordo com Lacy Barca, gerente-executiva de acervo da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), não resta quase nada da memória do processo de produção das novelas educativas dos anos 1960 e 1970. “Ninguém daquele tempo trabalha mais aqui, e o acervo daquela época estava abandonado”.
O projeto “João da Silva” começou, no papel, em 1967. “Os professores responsáveis pelo conteúdo trabalhavam com os parâmetros da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) 4.024, a primeira do MEC [Ministério da Educação e Cultura, na época]. Naquele momento, o MEC concentrava todo ensino de 1º e 2º graus”, lembra Lacy.
A partir do conteúdo que esses professores elaboravam, os roteiristas criavam os capítulos do programa de TV. “Na gravação, havia professores no estúdio que fiscalizavam se o que era produzido estava de acordo com a LDB. E, em um terceiro momento de controle de qualidade, a mesma equipe de professores avaliava os programas prontos”, afirma Lacy. A gerente-executiva, entretanto, não soube informar qual era o caráter da intervenção dos professores e se havia censura, conforme relatado por Xavier.
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