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Reitora da Unifesp: "Não é nenhum favor que nos fazem ter mulher na chefia"

Soraya Smaili é uma das 16 reitoras de universidades federais -- do total de 63 instituições - Divulgação / Unifesp
Soraya Smaili é uma das 16 reitoras de universidades federais -- do total de 63 instituições Imagem: Divulgação / Unifesp

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

12/09/2016 12h00

Formada em farmácia e bioquímica pela USP (Universidade de São Paulo), a professora Soraya Smaili é uma das 19 reitoras de universidades federais brasileiras em um universo de 63 instituições. Ela chefia a administração da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que, atualmente, conta hoje com campi na capital e nas cidades de São José dos Campos (Vale do Paraíba), Santos (litoral sul), Osasco, Diadema e Guarulhos (as três, na Grande São Paulo). 

Smaili é professora da Unifesp desde 1992 e cumpre desde 2013 o mandato que termina no ano que vem. Nesta entrevista ao UOL, ela falou sobre ser mulher em um setor de chefia tradicionalmente ocupado por homens e reconheceu que as mudanças são lentas. “Mas elas estão ocupando seus espaços: só na Unifesp hoje, por exemplo, temos maioria feminina tanto no que diz respeito a alunas quanto a pró-reitoras e servidoras”, mencionou.

Dos oito membros da equipe da reitoria, por sinal, apenas dois são homens --assessores. Entre as seis mulheres, além da reitora, estão a vice-reitora, Valéria Petri, e a chefe de gabinete, Maria José da Silva Fernandes.

Leia, a seguir, o relato da reitora ao UOL.

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Os cargos de comando historicamente têm sido ocupados por homens, em geral, nas últimas décadas. É algo que é construído socialmente. Mas acredito que a mudança ou o começo de uma mudança ocorreu ou está ocorrendo, estamos em um início de processo, mas ainda há um caminho a percorrer.

Mesmo na Unifesp já temos uma comunidade acadêmica diferente do que vinha sendo observado até uns anos atrás. E isso não só pela questão que é construída social e historicamente, mas pelo fato de que as mulheres, até há determinada época, tinham menos escolaridade, iam menos para a universidade, menos ainda para a pós–graduação. Hoje, o perfil socioeconômico da nossa universidade mudou: é a maioria de mulheres, assim como entre os servidores.

Isso está pressionando o sistema de tal modo que vemos um número crescente de pessoas entrando na universidade e se formando, indo para pós-graduação, e, consequentemente, passando nos concursos. Isso tem trazido, também, mais mulheres às carreiras acadêmicas --com exceção de áreas como engenharia e economia, onde a maioria ainda é de homens, as demais áreas hoje estão com maioria de mulheres.

Hoje eu vejo que mulheres estão ocupando mais os seus espaços --temos maioria de mulheres também na pró-reitoria. Mas ainda é muito estranho para algumas pessoas e culturas serem comandadas por mulheres. Não vou dizer que é preconceito: diria que isso fica em um campo de estranhamento.

O aspecto negativo que vejo, ainda, é que a mulher é muito mais julgada pelos seus atos e pelo que ela fala do que os homens –disso, não tenho a menor dúvida.

Há um tratamento diferenciado para a mulher em um posto de chefia, acredito que há. Se uma mulher é decidida, toma decisões e fala com objetividade, facilmente é vista como agressiva, ou julgada como alguém que ‘não está bem hoje’.

A mulher invariavelmente é alvo desse tipo de comentário –nem se fala diretamente, mas a gente sabe. E isso quando não se falam coisas piores. Com os homens, não é esse tipo de comentário.

O ambiente acadêmico é muito mais protegido que a sociedade aberta em geral, tem seus códigos, suas regras e sua ética que os acadêmicos seguem, embora, nos últimos tempos, diminui bastante a importância dessa ética acadêmica, que não é tão poderosa como quando entrei, 30 anos atrás. Era uma ética muito rigorosa, séria. Por exemplo, na academia não se falava em religião, pois era assunto considerado de ordem mais individual, de foro íntimo.

Atualmente, acho que esses valores já não são tão enraizados –então, o que está na sociedade vem obviamente para o interior da universidade, que não é um mundo à parte. Temos hoje todas as questões sociais no interior da universidade: a violência, as relações humanas, as questões de abuso, a discriminação... E nisso, essas questões de gênero também aparecem.

Para haver de fato equidade, quando falamos em um cargo de chefia ocupado por uma mulher, tal qual uma reitoria, penso sempre em um conjunto de fatores.

As mulheres devem ter mais coragem de ocupar postos de comando –não é nenhum favor que nos fazem ter mulher na chefia. Elas têm tanto direito quanto os homens. E isso na sociedade, não só na reitoria: temos poucas mulheres deputadas, senadoras, nas empresas, nos cargos de direção.

E elas têm a consciência de que elas podem e devem ocupar esses comandos, bem como competência para ocupar essas posições.

Há também um fator fora do foro pessoal que é a sociedade, de uma forma geral, ter consciência de que ainda tem um caminho a percorrer. Tem que haver menos discriminação e há que se agir com mais naturalidade em aceitar mulheres com suas características. Ela não é um homem, então, deve ser aceita como é, e não ser julgada por isso. É toda uma construção social a se fazer para que cheguemos a essa mudança.

Estou certa de que, daqui a dez anos, as coisas vão ser diferentes. O processo de mudança na sociedade está acontecendo. E acho que não tem como voltar atrás nessas questões.

Ainda ouço coisas do tipo: “Mas você administra tudo isso?” quando digo que sou reitora onde sou. As pessoas ficam realmente espantadas. Eu digo sempre que não se precisa abrir mão da própria feminilidade – não precisa ser a Margareth Tatcher para exercer um cargo desse. Não precisa ser uma pessoa bruta, mas ter características próprias.

Não sou exatamente uma militante feminista pois não acho que estejamos falando só de uma questão de gênero, mas de classe social. As mulheres que estão assumindo postos de comando tiveram mais acesso a oportunidades que as que não tiveram –e isso não pode ser ignorado se quisermos falar, de fato, sobre igualdade.