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Michel Temer, o escravocrata

MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
Guilherme Perez Cabral

23/10/2017 04h00

Michel Temer representa a oligarquia brasileira como poucos. Do feio passado (e presente) brasileiro, é das fermentações mais azedas e destilações mais puras. O mosto e os fungos, aqui, são apropriação do espaço público, o discurso sempre mais cínico e a exploração do povo.

Raymundo Faoro falava dele ao descrever oligarcas que o antecederam. Os donos do poder, dizia, atuam em nome próprio, são fluídos e amorfos. E fazem qualquer coisa para preservar seus privilégios e a posse do governo. Não há limites.

Veja, por exemplo, o tema da submissão de seres humanos a condições análogas à escravidão. Não é novidade no Brasil. Agrada latifundiários, com representação no Congresso Nacional, a chamada bancada ruralista. Beneficia, também, Michel Temer, o escravocrata, que precisa do apoio da Câmara para impedir a instauração de processo criminal contra ele.
Eis o contexto da Portaria nº 1.129/2017, do Ministério do Trabalho.

Acompanhando o que preveem tratados (e o que decidem os tribunais) internacionais de direitos humanos, o Código Penal brasileiro, estabelece como CRIME: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

Pois bem, para manter o apoio da bancada ruralista – e ganhar votos para impedir o processo criminal – o governo escravocrata de Michel Temer expede a referida Portaria. Ignorando a lei, condiciona a caracterização do trabalho escravo contemporâneo – que abrange o trabalho degradante e o exaustivo – à restrição da liberdade de locomoção da vítima.

Isso mesmo. Pasmem. O sujeito pode viver em barracão coberto por lona, na lama, sem nenhuma condição de higiene, bebendo água suja, dividindo comida com porco, trabalhando 16 horas por dia e sofrendo todo tipo de violência física e psicológica. Não é degradante, não é exaustivo, não tem nada a ver com escravidão. Para que isso fique caracterizado, só se o trabalhador estiver acorrentado, amarrado ou com arma apontada para a cabeça.

Estamos falando de pessoas muito pobres, de baixíssima escolaridade, recrutados para trabalhar em locais isolados, enganados com a promessa de bons salários. O valor ínfimo pago, porém, não cobre as “dívidas” assumidas com transporte, alimentação e hospedagem.

Normalmente, são vigiados por pessoas armadas e agredidos, caso tentem fugir. Porém, isso não é essencial à caracterização da condição análoga à escravidão. A localização geográfica das fazendas, de difícil e precário acesso e distantes de centros urbanos, não raro, por si só, é elemento limitador da liberdade. O direito de ir e vir, ademais, não existe, efetivamente, para quem sobrevive na extrema pobreza, em situação de gravíssima vulnerabilidade social.

Acontece que Michel Temer, o escravocrata, não está nem aí para a miséria alheia. Esta é um ingrediente necessário do fermentado oligárquico que o alimenta e o define.

A pressão da sociedade civil, tão adormecida desde a queda da Dilma e o fim da corrupção no Brasil, pode, contudo, ter resultado aqui. Lembremos de Faoro. Nossos oligarcas atuam em benefício próprio e, para a manutenção do poder, são fluídos e amorfos. Temer, o escravocrata, já deu sinais de bunda-molência. Se muito pressionado, arrega. Pode até acordar republicano, democrata e abolicionista.