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História do Brasil

Golpe militar de 1964 (5) - para Delfim, país se modernizou mas perdeu planejamento

Angela Bittencourt e Alexandre Caverni, da Reuters, em São Paulo

O Brasil viveu uma "modernização dramática" em sua economia desde março de 1964, mas perdeu, nos últimos anos, a preocupação em buscar um projeto de longo prazo para o país.

A avaliação é de um dos mais importantes economistas brasileiros e maior czar da economia durante o regime militar instaurado no país com o golpe de Estado de 1964, o hoje deputado Antônio Delfim Netto (PP-SP).

"Deixou-se de pensar o Brasil (...) não tem mais planejamento ou quem pense o Brasil globalmente e não tem mais quem aperte o botão para funcionar, ou para deletar um cara do lugar", disse à Reuters Delfim, em seu escritório na capital paulista.

Para o todo poderoso ministro da Fazenda nos governos Costa e Silva e Médici (1967 a 1974) e do Planejamento no governo Figueiredo (1979-1985), "o Brasil mudou demais de 64 para cá", mas se o país quiser voltar a crescer fortemente, precisará de mais do que medidas pontuais.

"Não é necessário ter um governo autoritário para fazer a economia crescer. Os Estados Unidos têm um governo autoritário?", perguntou o ex-ministro, que comandou a economia do país em uma época em que a oposição pouco mais podia fazer do que reclamar.

"O que acontece é que se deve ter uma concepção de país, uma ideia clara e uma hierarquia correta." Em seu primeiro período à frente da economia, o país cresceu em torno de 10 a 11 por cento a cada ano.

O economista insiste: apenas quando o crescimento se torna de fato uma prioridade ele acontece de forma acelerada.

"Todo mundo tem uma maluquice na sua cabeça (...) Minha mania era crescimento, a mania desse governo é a estabilidade. Há uma diferença fundamental em que você pensa a sua prioridade antes", disse Delfim.

Mas a comparação não é uma crítica direta ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem diz admirar, sobretudo, o carisma e respeitar. Delfim elogiou a condução da economia no ano passado, apesar da contração do Produto Interno Bruto. O país, argumentou, fez finalmente o ajuste das contas externas, necessário desde a desvalorização do real, em 1999.

Perguntado se chegou a se considerar como "bode expiatório" econômico do regime militar, Delfim admitiu que sim. "Ah, é verdade. Por isso fui ser candidato a deputado, para saber se o povo pensava assim mesmo. E me elegi."

Na Câmara dos Deputados desde a eleição para a Constituinte, em 1986, Delfim mantém o bom-humor, e o costumeiro tom zombeteiro, quando lembra desse período

"Eu fui lá (na universidade) fazer várias conferências quando tinha saído do governo. Você tinha lá uma esquerda, com a qual tenho a maior simpatia, e eu ia lá e me submetia a essas discussões e me divertia."

Veja a seguir comentários do ex-ministro sobre episódios e discussões dos últimos anos.

  • Troca de bastão: "Entregamos o país, depois de 20 anos, com inflação de 200 por cento ao ano, estável há dois anos. Havia, portanto, acomodação na distribuição de renda. Havia equilíbrio nas contas correntes e crescimento do PIB de 6 por cento ao ano, mantido em 1984, 1985 e 1986. Não tenho dúvida de que faltava atacar a inflação. Se o presidente José Sarney tivesse conservado Francisco Dornelles (ministro da Fazenda) no governo, Dornelles iria fazer um ataque à inflação muito parecido com o Real (Plano Real) porque ele iria usar a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) como unidade de moeda, como usou-se depois a URV (Unidade Real de Valor).
  • Crueldade: "O Brasil quebrou, mas quebrou porque o presidente Sarney não recebeu nenhum suporte externo. O mundo foi muito cruel com Sarney. Se o país tivesse tido crédito externo, não teria quebrado. E Sarney se sacrificou. Ele fez uma eleição, conquistou maioria absolutamente fantástica do PMDB no Congresso e esta mesma maioria começou a atrapalhar o governo com a Constituinte em 1986."
  • Erros monstruosos: "O Plano Cruzado congelou o câmbio e o plano econômico arrebentou. Passaram dois ou três anos, vem o Collor e congela o câmbio outra vez. Passam mais dois anos e pouco e vem o Fernando Henrique e congela o câmbio de novo. O Brasil conseguiu, portanto, fazer uma soma de erros monstruosos. O Brasil congelou o câmbio três vezes em quinze anos. Qual é o sujeito maluco que investiria no setor exportador, sabendo que de repente poderia ter um congelamento do câmbio?"
  • Equívoco: "Alguns economistas classificam a desvalorização cambial de 1999 como a mais virtuosa porque nem derrubou o PIB. E isso é um grande equívoco, porque o país continuou naquele nhenhenhém de crescer 2 por cento ao ano antes e depois da desvalorização. Se olharmos para 1983, o país fez uma desvalorização e o PIB caiu 4,5 por cento e foi para o equilíbrio instantâneo e mais crescimento econômico. Em 1999 devíamos ter tido queda de 4,5 ou 5,0 por cento do PIB e, de novo, um ajuste instantâneo das contas correntes com ocorreu com os países asiáticos. Não tem nenhum país que não tenha feito o ajuste e não tenha tido uma perda importante do PIB. O Brasil só se ajustou em 2003. A primeira vez, depois de 99, que o país teve equilíbrio em contas correntes."
  • O que importa: "O Brasil depende de capital externo e as crises sempre vieram desse desequilíbrio. Por isso, o país deveria exportar 100 bilhões de dólares e importar 100 bilhões de dólares ao ano. O superávit não tem importância. Se o país crescer robustamente vem capital externo porque o fator mais importante para atrair capital é o crescimento. Só se investe onde há perspectiva de retorno. Você acha que alguém vai investir onde se cresce -0,2 por cento? Não vai."
  • Governo Lula: "Quando Fernando Henrique saiu do governo a inflação estava rodando a 30 por cento ao ano e 2003 terminaria com esta inflação. O governo Lula fez, portanto, uma política duríssima. Não teve escolha. Mas em maio já havia indícios de que a batalha estava ganha. A expectativa de inflação era de 7 por cento para meados de 2004. E o Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda) deu uma contribuição importante elevando o superávit primário para 4,25 por cento do PIB. Imagine onde tudo teria terminado se ele não tivesse elevado o superávit? A relação dívida/PIB não teria ficado em 56 por cento e esse importante indicador de risco estaria ainda mais comprometido.
  • Economistas: "Hoje na escola, na fundação, nesses centros que se consideram científicos, os economistas creem que a economia é uma ciência. Eles creem realmente porque a ciência usa um pouco de matemática. Eles estão lá, procurando mais sofisticação, cada vez mais longe do mundo."

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