Contexto da independência da América Espanhola - Declínio do poderio espanhol e Reformas Bourbônicas
Érica Turci
- Pré-história da América
- Civilizações pré-colombianas
- Reino de Espanha
- Expansão marítima espanhola
- Descoberta da América
- Colonização espanhola
- Chile
Ao referir-se aos ataques recentes dos piratas na costa da Somália, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que, apesar de estarmos lidando com um crime do século 17, temos que usar ativos do século 21 para enfrentá-lo. Na verdade, a afirmação da secretária de Estado faz um paralelo entre os atos dos piratas somalis e aqueles praticados pelos piratas do Caribe, que perduram no imaginário popular há séculos, pois não é de hoje que as atividades mercantis sofrem investidas da pirataria e do contrabando.
Passada a época das grandes conquistas na América, o reino espanhol conheceu de perto tal situação, tendo um trabalho infernal para enfrentar os ataques piratas aos produtos de suas colônias; e, na verdade, não foi muito bem-sucedido. Mas não foi apenas esse ingrediente que desandou a receita de sucesso do poderio espanhol na América, pois não demorou que outros elementos também começassem a contribuir para o início de seu declínio.
A decadência espanhola
No início do século 18, a Espanha era um país pobre da Europa, apesar de manter seu enorme império colonial - ou, até mesmo, por causa dele, visto que Espanha e Portugal tinham se acomodado no antigo sistema de exploração das colônias, que lhes rendia lucros extraordinários desde o século 16.
Enquanto isso, por não disporem do mesmo poder, Inglaterra, Holanda e França buscavam outros meios de enriquecimento:
- aperfeiçoaram suas esquadras e suas tropas, com a intenção de praticar a pirataria e o contrabando nas regiões coloniais ibéricas;
- formaram companhias comerciais e conseguiram que espanhóis e portugueses cedessem setores do comércio colonial, como o transporte de mercadorias entre a América e a Europa ou a distribuição de produtos em alguns mercados europeus e americanos;
- investiram no desenvolvimento de oficinas manufatureiras e das cidades, o que levou ao desenvolvimento de centros de negócios;
- tomaram regiões coloniais espanholas e portuguesas a partir de acordos diplomáticos ou de tratados, ao fim de conflitos.
Se você tem o domínio de uma situação e seus concorrentes começam a ameaçá-lo, como bom jogador você sabe que tudo dependerá de sua capacidade de reação. O jogo estava mudando, mas parece que a Espanha não percebeu isso e permaneceu como um país agrário, com uma política econômica direcionada para o domínio colonial.
A vaca e o leite
Um dos resultados imediatos da manutenção dessa política foi a necessidade de importar artigos manufaturados que não conseguia produzir. Assim, os metais preciosos e os impostos retirados das colônias acabavam indo para as mãos das potências emergentes - e um ditado da época ilustra bem a situação: "A Espanha tem a vaca, mas outros bebem o leite".
No que diz respeito às posições políticas espanholas, entre os séculos 17 e 18 os ideais liberais ganhavam apoio da burguesia, mas a coroa se mantinha estreitamente ligada ao centralismo político, ao mercantilismo e ao pacto colonial. Enquanto ingleses e franceses defendiam o Iluminismo, na Espanha essa nova mentalidade era censurada.
Obedeço mas não cumpro
Do outro lado do Atlântico, nas colônias, o contrabando e a corrupção eram fatos cotidianos. Por mais que a Coroa tentasse controlar a produção americana, a distância contava a favor dos colonos, que mantinham a política do "Obedeço, mas não cumpro", ou seja: perante os representantes da metrópole se portavam como fiéis e obedientes às leis e ao pagamento dos tributos impostos pela Espanha, mas, na ausência deles, agiam segundo seus próprios interesses.
Dentre as potências europeias, era a Inglaterra a que mais causava problemas para a Coroa espanhola: detentora da mais poderosa marinha da época, os mercadores ingleses eram os maiores contrabandistas da América. Causando enormes prejuízos à Espanha, os ingleses forneciam aos colonos americanos os produtos manufaturados de que estes necessitavam, mas apenas em troca de grandes somas de ouro e prata.
E, da mesma forma que a metrópole não conseguia conter a corrupção e o contrabando, não conseguia também evitar que os americanos tivessem acesso aos ideais iluministas. Os colonos americanos mais ricos viajavam para a Europa constantemente e traziam livros, folhetos, jornais, que eram copiados e distribuídos nas colônias.
Os contrabandistas europeus vendiam essas obras aos montes nos portos da América. Nas Universidades do México e de Lima, apesar da constante fiscalização da Inquisição, Adam Smith, John Locke, Rousseau e Montesquieu eram lidos e discutidos. O racionalismo, o liberalismo, o direito à igualdade jurídica, temas tão importantes aos iluministas europeus, se tornaram, no início do século 19, os argumentos usados pelos americanos contra o domínio espanhol.
As Reformas dos Bourbons
Para fazer frente a essa situação, no início do século 18 - quando a dinastia dos Bourbons assume o trono espanhol, principalmente a partir de 1759 -, o rei Carlos 3º buscou modernizar a Espanha, empregando o despotismo esclarecido, emprestado do modelo francês.
Assim, de acordo com o historiador Leslie Bethell, "a meta principal, mais do que projetar novas estruturas, era reformar as existentes, e o objetivo econômico básico era desenvolver a agricultura mais do que estimular a indústria".
As medidas empreendidas pela Reforma Bourbônica visavam aumentar o controle da coroa, tanto sobre o território espanhol quanto sobre suas colônias, reduzindo o poder das elites locais e, ao mesmo tempo, aumentando a receita da metrópole.
Os jesuítas, que até então detinham o controle sobre a educação espanhola e americana, além de serem os verdadeiros administradores de regiões coloniais, foram os primeiros a se colocarem contra Carlos 3º, e por isso foram expulsos, em 1767, da Espanha e da América, além de terem suas terras confiscadas. Esse episódio, aliás, pôs a Igreja Católica contra os Bourbons da Espanha.
Seguindo esse modelo de reforma, novas divisões administrativas foram criadas na América, dando origem, em 1776, ao Vice-Reino do Rio da Prata, que, ao lado dos outros dois já existentes desde o século 16 (Nova Espanha e Peru), mais o Vice-Reino de Nova Granada, instituído em 1717, centralizavam ainda mais a administração colonial. Com a mesma intenção, três outras capitanias foram fundadas: Venezuela, Cuba e Chile, que se juntaram à da Guatemala, já existente:
Divisão administrativa | Ano de criação | Regiões atuais |
Capitania da Guatemala | 1527 | Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica |
Vice Reino da Nova Espanha | 1535 | Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Nova México, Utah, México |
Vice Reino do Peru | 1543 | Peru, parte da Bolívia e parte do Equador. |
Vice Reino de Nova Granada | 1717 | Colômbia, Panamá e parte do Equador. |
Capitania da Venezuela | 1773 | Venezuela |
Vice Reino do Rio da Prata | 1776 | Argentina, Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia |
Capitania de Cuba | 1777 | Caribe e Flórida |
Capitania do Chile | 1778 | Chile |
Dessa forma, a Espanha esperava poder controlar melhor os seus súditos do Novo Mundo. Contudo, tais mudanças só causaram problemas. A concentração dos altos cargos da administração metropolitana nas mãos de espanhóis (chamados pelos americanos de chapetones) e a crescente fiscalização das atividades políticas e econômicas na colônia geraram a insatisfação dos criollos, americanos descendentes de espanhóis, senhores das terras, da mão de obra, do comércio e do contrabando americano.