Liberalismo e democracia - As bases filosóficas da democracia
Atualizado em 18/07/2013, às 11h50
Desde suas primeiras formulações, no século 18, o liberalismo é uma filosofia ou um conjunto de filosofias que defendeu a existência de um Estado laico e não-intervencionista. Laico, porque não está vinculado a nenhuma crença religiosa, nem admite interferência de qualquer Igreja nos assuntos políticos. Em contrapartida, esse Estado também não deve interferir nas crenças pessoais, fazendo prevalecer o ideal de tolerância religiosa.
Já a concepção de um Estado não-intervencionista refere-se à economia e surgiu por oposição ao controle que as monarquias absolutistas exerciam sobre o comércio durante os séculos 16 e 17, cuja expressão era o monopólio estatal típico do mercantilismo ou capitalismo comercial. Era o que acontecia com o açúcar e o ouro, por exemplo, enquanto o Brasil era colônia de Portugal.
A livre iniciativa e o lucro
O Estado não deve interferir na economia ou intervir somente o mínimo inevitável, pois o liberalismo defende a propriedade privada e constata que o funcionamento da economia se dá a partir do princípio do lucro e da livre iniciativa, o que desenvolveria o espírito empreendedor e competitivo.
As propostas liberais provocaram - juntamente com as Revoluções políticas que delas se originaram - uma separação entre negócios públicos e privados, ou seja, entre os assuntos do Estado (que deve se ocupar com a política, isto é, com as questões da esfera pública) e os da sociedade civil (que deve se ocupar das atividades particulares, principalmente as econômicas).
Simultaneamente, o liberalismo advoga a criação de instituições para dar voz ativa aos cidadãos nas decisões políticas. É a partir disso que ocorre o fortalecimento do Parlamento, órgão de representação por excelência das forças atuantes da sociedade e capaz de coibir os excessos do poder central. A expressão "parlamento" se origina do francês "parler", que significa falar. Designa, portanto, o local onde ocorrem conversações, discussões e deliberações.
Executivo, Legislativo e Judiciário
A concepção de uma origem parlamentar do poder significa a superação de teorias que remontam à Antigüidade, segundo as quais o poder vem de Deus ou da tradição familiar (nobreza). Ao contrário, o voto dado a um parlamentar representa o livre consentimento do cidadão à sua atuação política, isto é, o mandato popular. É o que ocorre hoje nas democracias representativas, como a brasileira, em que deputados e senadores são (ou ao menos deveriam ser) representantes do povo.
Completa o quadro de princípios básicos do liberalismo, no âmbito político, a tripartição do poder em três instâncias autônomas e equilibradas: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, conforme postulado pela primeira vez pelo escritor e filósofo francês Montesquieu. Cada uma delas tem suas atribuições específicas e - acima delas - estão as leis, das quais a maior é a Constituição de um país.
A consciência liberal é, portanto, marcada pela valorização do princípio da legalidade: ninguém - nem o governante - pode se colocar acima da lei. Com as revoluções liberais na Inglaterra e na França, produziram-se, respectivamente, a Declaração de Direitos ("Bill of Rights", 1689) e a Declaração do direitos do homem e dos cidadãos (1793), que consignavam as conquistas dessas mesmas revoluções e proclamaram a igualdade de todos os homens perante a lei.
Além disso, essas declarações estabelecem a garantia das liberdades individuais de pensamento, crença, expressão, reunião e ação, desde que não sejam prejudicados os direitos de outros cidadãos. Deriva daí a concepção tradicional de liberdade, segundo a qual "a liberdade de cada um vai até onde o permite a liberdade do outro".
Adam Smith
Trata-se de um fundamento de cunho individualista, o que é típico do pensamento liberal. No plano econômico, isso significa que a lógica do mercado é a seguinte: se cada um desenvolver bem o seu trabalho, haverá natural seleção dos melhores, que formarão as elites de cuja capacidade empreendedora resultarão benefícios para o todo social. Era o que apregoava o economista escocês Adam Smith, em sua obra principal, "Uma Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações".
Pode-se questionar ou criticar esse fundamento, mas, na prática, sua capacidade de produzir riqueza tem sido patente. O problema reside mais na questão da distribuição dessa riqueza. Além disso, à medida que esses conceitos liberais foram sendo absorvidos pelas instituições dos diversos países, na Europa e nos Estados Unidos, deu-se um passo significativo em direção à democracia, tal qual é praticada, em maior ou menor grau, no mundo contemporâneo.
Vale lembrar que dos ideais do liberalismo também se originou o conceito de cidadania que, em seus primórdios, no século 18, referia-se apenas a direitos civis: à liberdade e à segurança individual, direito de ir e vir, liberdade de crença e opinião, seu lugar institucional eram os tribunais e sua vigência dependia da aplicação progressivamente imparcial da lei.
Durante o século 19, o conjunto se avoluma com a inclusão dos direitos políticos: votar e ser votado, filiar-se a partidos políticos, organizar-se em sindicatos. Já no século 20, passam a integrar a cidadania também uma extensa variedade de direitos sociais, como a garantia de um piso salarial, condições de trabalho, seguro, assistência médica, previdência, etc.
Do iluminismo ao socialismo
Há uma via de mão dupla entre as ideias políticas e a realidade prática, de tal maneira que as ideias interferem no mundo real, transformando-o, assim como o mundo real, transformado, torna necessário que as ideias sejam permanentemente reelaboradas. Nesse sentido, as ideias liberais sofreram transformações com o passar do tempo, adaptando-se às novas realidades sociais.
O liberalismo surgiu com o desenvolvimento do mercantilismo e se aprofundou após o advento da Revolução Industrial, no século 18. Com a implantação do sistema fabril e o aumento da produção, as relações humanas se tornaram cada vez mais complexas. As cidades cresceram, desenvolveram-se as ferrovias e o navio a vapor. As máquinas intensificaram o otimismo baseado na crença do progresso e na onipotência da tecnologia.
Os avanços tecnológicos, porém, não corresponderam a uma evolução nas relações sociais, tornando-as mais justas, ou diminuindo a distância entre o topo da pirâmide social e sua base. Na Europa do século 19, o contraste entre riqueza e pobreza era cruel, como ocorre hoje em dia nos países em desenvolvimento. Em contrapartida, a classe operária começou a se unir para reivindicar os seus direitos num processo que culminará com o desenvolvimento do socialismo
O socialismo considera que o individualismo liberal resulta na defesa de uma classe social em particular: a burguesia. De qualquer modo, para enfrentar os problemas trazidos pelos novos tempos, a teoria liberal se adaptou às novas exigências da realidade. O liberalismo tornava-se cada vez mais democrático, acentuando a necessidade de igualdade jurídica e política, bem como uma solução para as precárias condições de vida das massas oprimidas. Um dos representantes dessa tendência, o inglês John Stuart Mill, sugere co-participação dos trabalhadores na gestão e nos resultados da indústria.
O Estado do bem-estar social
Gradualmente, o liberalismo começou a admitir a tendência intervencionista do Estado, para solucionar os problemas sociais do trabalhador, como férias, saúde, aposentadoria, desemprego, etc. Diante das crises - econômica, política, social - que atingiram o mundo da primeira metade do século 20, os Estados Unidos e a Inglaterra, - cujo sistema político-econômico se insere no modelo mais característico do liberalismo - promoveram ajustes rigorosos na economia, desenvolvendo o que se chamou de wellfare state ou estado do bem-estar social.
Nos Estados Unidos, por exemplo, para enfrentar a depressão econômica subseqüente à quebra da bolsa de valores de Nova York (1929), o presidente Franklin D. Roosevelt implantou um programa conhecido como New Deal, que fez o Estado se tomar o principal agente do reativamento econômico do país. A construção de grandes obras públicas ajudou a aumentar a taxa de emprego e foram concedidos créditos para as empresas, além de serem adotadas inúmeras medidas assistenciais de atendimento aos trabalhadores.
Entretanto, a intervenção estatal não se perpetuou, nem o Estado pretendeu se sobrepor às empresas privadas, tornando-se o único agente econômico. De qualquer modo, no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os Estados Unidos tinham se tornado a nação mais rica do mundo, bem como a mais avançada em termos tecnológicos.
Globalização e neoliberalismo
A partir da década de 1960, o estado do bem-estar social começou a dar sinais de desgaste, em especial porque as despesas governamentais acabaram por superar a arrecadação ou receita, provocando um aumento insustentável do déficit público, da inflação e da instabilidade social.
Na década de 1980, os governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margareth Thatcher, na Inglaterra, se caracterizaram por diminuir a intervenção do Estado na área social. A essa retomada das ideias liberais clássicas, de um estado mínimo e não intervencionista, chamou-se Neoliberalismo. Seu receituário não se restringiu aos países do hemisfério norte, numa época como a nossa, em que a economia é cada vez mais global.
No Brasil - onde o Estado se tornara um poderoso agente econômico entre a Era Vargas e a ditadura militar - as ideias liberais entraram na ordem do dia dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, com a diminuição do Estado, a partir da privatização das estatais, da venda das empresas públicas que, apesar de pertencerem ao governo, nada têm a ver com as funções do governo, como bancos e companhias telefônicas.
Não vem ao caso avaliar aqui os resultados dessa orientação "neoliberal" à política brasileira contemporânea, nem à economia - que se mantém fiel a ela, apesar do governo de Luís Inácio Lula da Silva, cujo partido sempre se proclamou simpático ao socialismo. O importante é ressaltar como a influência das ideias liberais se estendem, historicamente, desde o século 18 até os dias de hoje. A história da humanidade é ao mesmo tempo feita de transformações e permanências.
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